"Não sei como pode umas loucas dessas engravidarem. Não tem noção? Tudo o que vocês fazem é comer, comer, comer e ainda querem engravidar. Como engravida um bicho desses?". Essas foram as palavras proferidas pelo obstetra que atendeu Luciane Grochal em sua primeira consulta de pré-natal, em 2015.
Aos 26 anos, com 1,76m e pesando 138 kg, a turismóloga, moradora de Osasco (SP), não planejava engravidar, mas assim que descobriu a gestação procurou uma UBS (Unidade Básica de Saúde) para fazer o pré-natal.
“Logo que entrei no consultório, o obstetra, de forma ríspida, perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu respondi que estava grávida e ele ficou nervoso, disse que eu não deveria ter engravidado ‘gorda desse jeito’”, desabafa.
Segundo Luciane, até então, ela nunca havia sofrido nenhum tipo de gordofobia. Percebeu que o que o médico dizia era apenas censura, ofensas. “Ele não me dava nenhuma alternativa para ter uma gravidez saudável, apenas me atacava por ser gorda, como se eu fosse a pior criatura do mundo”, relata.
Mas o médico não parou por aí. “Ao terminar os exames, o médico disse que eu deveria retornar dali a um mês, caso eu e meu bebê sobrevivêssemos. Um absurdo!”, recorda.
Na época, Luciane estava abalada psicologicamente por questões profissionais e a violência sofrida no consultório fez com que se desesperasse e, após um pico de estresse, precisasse ser internada para controlar a pressão arterial. “Eu entrei saudável no consultório e saí de lá direto para o hospital com uma crise hipertensiva”, afirma.
De acordo com Dra. Mariana Rosário, ginecologista e obstetra, o acompanhamento da gestante obesa, o carinho e cuidado tem que ser o mesmo conferido a qualquer outra paciente. “As pacientes devem ser alertadas sobre riscos durante a gestação, mas existem pacientes acima do peso [definição da OMS para quem tem índice de massa corpórea acima de 30] que não têm nenhum problema metabólico e isso pode ser conferido por meio de exames. Não tem indicação de tratamento algum, além do acompanhamento nutricional indicado para todas as gestantes”, afirma a especialista.
Ela argumenta que, em alguns casos, as pacientes que estão acima do peso podem e até devem emagrecer na gestação. “A ideia de que é preciso engordar e comer por dois é ultrapassada. Hoje já se sabe que há pessoas, mesmo magras, que ganham pouquíssimo peso durante a gestação e tem bebês saudáveis. E há gestações de mulheres acima do peso, que perderam cerca de 20 a 30 kg com bebês saudáveis. Não é a perda de peso que vai afetar o crescimento do bebê. A suplementação e a alimentação correta é que vão ditar a qualidade da gestação”, explica, ressaltando que não é uma regra e que cabe ao médico definir a melhor estratégia de acompanhamento para cada paciente.
Dra. Mariana complementa que o quadro psicológico da paciente, muitas vezes, pode impactar muito mais a saúde da gestante do que o fato de estar acima do peso. “Toda e qualquer alteração psicológica afeta a gestante, desde as tentativas de engravidar até o final da gestação. A produção de radicais livres pelo estresse afeta a concepção, altera o ciclo menstrual, impacta negativamente na implantação do embrião no útero e pode causar complicações na gravidez, como por exemplo o parto prematuro”, explica.
E foi para evitar novas situações traumáticas que Luciane foi o menor número de vezes às consultas de pré-natal em sua segunda gestação. “No ano seguinte engravidei novamente, estava pesando 156 kg e fiquei com medo de ser maltratada novamente pelo obstetra por estar gorda. Fui em poucas consultas e fiz menos exames do que o necessário. Sei que corri um grande risco, mas estava apavorada”.
Embora estivesse com medo, Luciane disse que foi acolhida pela nova médica que lhe atendeu no pré-natal. “O problema começou quando fui marcar minha cesárea no hospital. Estava com 38 semanas de gestação e me internaram imediatamente, dizendo que teriam que antecipar a cesárea porque meu bebê era muito grande. Deduziram que eu fosse diabética só por ser gorda, mas não havia nada nos meus exames que apontasse isso, fui completamente ignorada. Fiquei 38 horas sem comer e ouvi no parto, da obstetra, que este deveria ser meu último filho, que eu, gorda, não deveria mais engravidar”.
Na época, Luciane desconhecia que o que estava sofrendo era uma violência obstétrica. “Se acontecesse hoje, eu reagiria de outra forma. Denunciaria”, afirma.
Para Dra. Mariana, além do olhar humanizado da equipe médica para a paciente, com foco em saúde física e psicológica, a estrutura hospitalar também tem que ser adaptada. “Há limitações para atender pacientes obesas nas maternidades. A equipe médica, principalmente o anestesista, deve ser avisada sobre a situação da paciente. É necessário, muitas vezes, equipamentos médicos especiais, como, por exemplo, agulhas específicas para anestesia em pessoas obesas, mesas cirúrgicas que não sejam limitadas para o tamanho da paciente, aparelho para aferir pressão compatível com o tamanho do braço, etc”, conclui.
Hoje, Luciane tem 33 anos. “Meus bebês nasceram bem e continuam crescendo saudáveis. Eu também continuo gorda e, apesar do que alguns olhares gordofóbicos possam achar, não tenho nenhum problema de saúde”.