Igualdade de gênero na política depende de dinheiro e desconstrução

Número de mulheres candidatas têm crescido, mas elas ainda ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional

15 set 2022 - 12h39
(atualizado em 22/9/2022 às 11h18)
Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada federal do Brasil: representatividade feminina brasileira nas bancadas legisladoras ainda está atrás da média da América Latina
Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada federal do Brasil: representatividade feminina brasileira nas bancadas legisladoras ainda está atrás da média da América Latina
Foto: Pamella Moreno sobre Wikicommons

Mais da metade dos eleitores no Brasil são, na verdade, eleitoras. Mesmo assim, as mulheres são minoria nas cadeiras de deputadas e senadoras e o país ainda ocupa o 145º lugar no ranking de mulheres no parlamento. Como forma de mitigar essa realidade, algumas leis foram criadas a partir de 1995, mas só em 2009, com a minirreforma eleitoral, passou a ser obrigatório que cada legenda tenha o percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero.

Tal sistema de cotas é comum e presente em vários países. Até 2013, 188 possuíam o recurso. O número condiz com a disparidade global, que aponta que apenas 25% de todos os parlamentares nacionais são mulheres. 

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Nas eleições gerais deste ano, as candidaturas femininas bateram recorde: são 33,33% de pleiteantes a uma cadeira federal, estadual ou distrital. Mas com mulheres compondo 53% do eleitorado do país, o número ainda é baixo. Quando olhamos quantas mulheres são efetivamente eleitas, outro tombo: nas últimas eleições gerais, em 2018, 16,2% dos eleitos eram mulheres.

Foto: Reprodução

Quando analisamos a América Latina, o Brasil ocupa uma posição alarmante. Menos de 15% da Câmara dos Deputados é composta por mulheres, o que destoa da média da América do Sul, que é de 26%. Débora Thomé, uma das cientistas políticas responsável pela pesquisa +Representatividade, do Instituto Update, diz que "muitos [territórios] já têm uma situação de paridade, e se encontram numa situação bem resolvida, como México e Argentina". 

A pesquisadora diz, ainda, que enquanto candidaturas e legisladoras costumam aparecer mais em partidos progressistas, no Brasil o cenário é outro. Por aqui, em 2022 apenas um partido (Unidade Popular) tem mais do que 50% de candidaturas femininas. Todos os outros partidos, independente da orientação, estão abaixo da metade, ou seja, têm mais candidaturas masculinas.

Regionalmente, o cenário não sinaliza muitas diferenças. Em teoria, Débora avalia que a candidatura à vereança pode ser mais fácil, já que exige menos recursos e normalmente marca o início de uma vida na política. "Nas candidaturas estaduais e federais, é necessário mais financiamento e dinheiro para fazer a campanha", complementa Carolina de André Plothow, analista de projetos no Vamos Juntas.

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Mesmo assim, dentre os mais de cinco mil municípios brasileiros, mais de três mil não têm uma mulher vereadora. Na última eleição municipal, em 2020, 87% dos candidatos à prefeitura eram homens. Já nas câmaras municipais, o número era de 66% de candidatos homens.

Carolina acredita que o número de mulheres no parlamento brasileiro ainda é vergonhoso. Ela entende as leis de cotas como importantes, mas destaca que outros passos legislativos são cruciais. 

Para Henrique Frota, existe uma pergunta determinante: qual porcentagem das cotas se converte em mulheres eleitas? "Não é só ter as candidatas, é viabilizar que elas possam fazer campanha na rua, produzir material, ter uma equipe", afirma ele, que é diretor executivo do Instituto Pólis. Raça é outro ponto determinante. "Negras e indígenas têm mais dificuldade do que mulheres brancas, então é preciso fazer uma perspectiva combinada entre gênero e raça", aponta. 

Mais mulheres é igual a mais direitos das mulheres?

Elevar o número de mulheres na política pode significar, também, diferentes agendas em voga. Ou seja, as pautas das mulheres não serão postas ou defendidas de forma homogênea ou unânime. 

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Um exemplo são os direitos sobre justiça sexual e reprodutiva. Neste ano, O Globo realizou um levantamento com as legisladoras do Congresso Nacional. O jornal aponta que dentre 63 deputadas e senadoras que responderam ao questionamento, 44 (70%) eram contra a descriminalização do aborto. 

Carolina avalia que isso é esperado, visto que "é impossível ter uma consistência, mas quando você tem mais mulheres na política, você tem mais assuntos de mulheres sendo mais pautados", acredita. 

Pensar em direitos e representatividade abarca eixos de análise diferentes, pontua Débora. "Existe a representação descritiva, que é igual a mais mulheres na política, e o eixo da representação substantiva, que são mais direitos para as mulheres, algo pelo que um homem pode lutar também".

Brechas na legislação

Em abril de 2021, o Congresso Nacional publicou a Emenda Constitucional 117. A diretriz diz que os partidos políticos devem destinar, no mínimo, 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas, seja para o Fundo Eleitoral ou Fundo Partidário. A distribuição deve ser proporcional ao número de candidatas. Ainda, a emenda diz que os partidos também devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres.

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Carolina comemorou a emenda, quando publicada, mas meses depois destaca várias brechas no seu cumprimento. "Como não existe um rol taxativo, que diz como [os valores do fundo] serão distribuídos, eles [partidos] repassaram para as candidatas mais competitivas, ao invés de repassar de forma igualitária". 

Ela diz sentir falta de uma legislação mais específica, já que os partidos não estão necessariamente descumprindo a lei, apenas deturpando. Além disso, não existe nenhum tipo de multa ou punição para quem descumpre a cota. Em 2020, os descumpridores foram anistiados, o que reforça, para Carolina, como até a jurisprudência atua nesse sentido. 

O que acontece é que os partidos usam a cota de 30% como teto, e não como piso, defende Henrique. "Em 2018, houve avanço, mas se a gente observa o que deveria ser o parâmetro, 15% [de mulheres no Congresso] ainda é muito pouco. E esse número não é tão superior a 30% na maioria dos partidos", continua. 

Segundo a Agência Senado, dos 32 partidos políticos brasileiros, apenas seis são presididos por mulheres: PT, com a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR); PCdoB, com Luciana Santos (vice-governadora de Pernambuco); PRTB, com Aldinea Fidelix; Podemos, com a deputada federal Renata Abreu (SP); PMB, com Suêd Haidar; e Rede Sustentabilidade, com a ex-senadora Heloísa Helena.

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Gleisi Hoffmann: uma das seis mulheres que presidem partidos políticos no Brasil
Foto: Poder360

Como chegar lá?

Fundamentalmente, Carolina destaca que é preciso destinar corretamente os recursos para as candidatas. "Sem dinheiro, não tem campanha. Se essa distribuição não for feita de forma justa, vai ser impossível elas se elegerem", pontua. A ativista diz que a responsabilidade dos partidos é grande, já que "quem decide [a distribuição] geralmente são os diretores partidários que estão há anos nessas mesas". 

Contudo, mesmo depois de eleitas, as mulheres enfrentam assédios, abusos e opressões durante seus mandatos. Por isso, Henrique acredita que "não trata-se apenas de se eleger, mas conseguir se manter nesse espaço avesso à sua presença. As instituições ainda não estão conseguindo corresponder às necessidades de proteção dessas mulheres".  

Essa realidade torna, inclusive, o chamado à incidência política difícil de ser feito para esse grupo. "Por mais que queiramos mais mulheres, elas precisam estar mais protegidas. Então, quais políticas públicas podemos criar para que elas cheguem às urnas bem, saudáveis e competitivas?", questiona Carolina.

Tudo isso tem a ver com o machismo estrutural e violência de gênero, opressões que perpassam a vida de todas as mulheres. Ainda, "de maneira geral, [elas] são vistas como alguém que deve estar no ambiente privado, ou até mesmo no mercado de trabalho, mas não na política. Porque a politica, que é um espaço de poder, não é visto como atributo das mulheres, e isso independe de questões partidárias", argumenta Henrique.  

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É preciso um trabalho contínuo de transformação das estruturas sociais, que rompam com o lugar imposto às mulheres. Isso envolve muito diálogo com o próprio eleitorado, que mesmo sendo majoritariamente feminino, pobre e negro, não é espelhado nas cadeiras do governo. 

Débora aponta a pesquisa do Update, que mostrou haver uma predisposição do eleitorado de votar em mulheres, "mas que esses mesmos grupos preferem votar em candidatos viáveis, e ainda têm uma percepção de que mulheres têm poucas chances de se eleger". 

"Se o eleitor se movesse por uma identidade de gênero e raça, metade do congresso deveria ser de mulheres e negros", complementa Henrique. O que explica a desidentificação na hora do voto, para ele, é o inconsciente coletivo construído a partir desses fatores estruturais das opressões. "Mesmo eu sendo uma mulher, eu assimilo que aquele é um espaço masculino. Existe trabalho de consciência política permanente, para mostrar que não existe marcador social perfeito para estar na política". 

O comprometimento com as agendas das mulheres não deveria ser restrito a um grupo social. "Além de eleger mais mulheres, o eleitorado deve eleger mais homens comprometidos com os direitos das mulheres", sinaliza Henrique. O diretor, porém, diz não ter esperança que os deputados e senadores que já ocupam as cadeias há anos irão mudar. 

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Fonte: Redação Nós
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