Sofia Rebeca Cunha chutou uma bola pela primeira vez aos quatro anos de idade. No chão batido da comunidade indígena de Vista Alegre, área rural de Boa Vista, em Roraima, ela começou a trilhar seu caminho no futebol. Com 8 anos completos hoje, 19 de abril, Dia do Índio, a jogadora mirim quer usar o esporte para mudar a realidade da família.
“A Sofia é uma criança impressionante. Com essa idade ela fala: ‘Quero ser jogadora para poder comprar uma casa e dar conforto para a minha família’. É até emocionante falar isso, porque a gente luta para que ela realize o sonho dela, que é jogar bola”, contou o pai, Tancredo Maruai Cunha, 34, em entrevista ao Papo de Mina.
Há pouco mais de 12 meses, Sofia se dedica semanalmente aos treinos com o professor Rosivaldo Lima, ou “Peteleco” para os mais chegados, na capital roraimense. No entanto, o caminho feito por pai e filha às segundas, quartas e sextas é praticamente uma epopeia.
Da zona rural onde moram até a escolinha de futebol são 100km de distância, com direito à travessia de balsa pelo Rio Uraricoera, que custa R$30 (ida e volta). Todo o trajeto é feito de motocicleta pelos dois, e gera um gasto de pelo menos R$70 por viagem - entre combustível, balsa e alimentação.
Mesmo sem pagar pelas aulas, concedidas de forma gratuita pelo professor Rosivaldo, o translado pesa no bolso da família Cunha, que além de Sofia tem outras três crianças para sustentar.
“Nós fazemos todo o esforço possível para conseguir dar essa oportunidade para ela, mas tem sido cada vez mais difícil, principalmente com o valor que a gasolina está agora. Já fiz bingo, rifa e tudo mais aqui na comunidade para arrecadar dinheiro. Conseguimos pouco mais de R$800 e é esse valor que estamos usando”, desabafou Tancredo.
“Além de tudo, como não temos energia elétrica aqui na região onde moramos e as aulas acontecem à noite, a gente dorme em Boa Vista e volta na manhã seguinte. Mesmo com lugar para dormir, tem a alimentação e tudo mais, né? Não é fácil.”
Em janeiro deste ano, um plano visando o futuro de Sofia não pôde ser colocado em prática por conta da barreira financeira. Peteleco conseguiu uma oportunidade de teste em um projeto ligado ao Fluminense, chamado “Daminhas da Bola”, que trabalha com formação de atletas.
Apesar dos esforços, o valor que seria necessário para a viagem estava muito além do que seria viável para Tancredo e o treinador. A ideia é, nos próximos meses, arrecadar fundos para a empreitada.
“Foi uma pena a gente não ter conseguido ir, mas não vamos desistir. Eu nunca vi, em todos esses anos em que trabalho com crianças, o mesmo talento para o futebol. Ela chuta com os dois pés e tem um controle de bola impressionante. Tem futuro para ser profissional”, afirmou Rosivaldo.
Lugar de menina é no futebol
Descendente do povo Macuxi, Sofia carrega com orgulho sua origem, estuda na escola da indígena da região e participa de torneios da comunidade. Entretanto, não há meninas que pratiquem futebol naquela localidade, e os adversários acabam sendo todos de equipes masculinas.
Este fato não desanima a pequena atleta que, apesar da timidez, estufa o peito corajosamente para afirmar: “Não tenho medo de jogar com os meninos".
O fato acalma o pai, que além de “coruja” que rasga elogios ao talento da filha, demonstra todo o seu apoio à paixão que ela demonstra desde a primeira infância.
“Ela não ter medo não significa que eu não me preocupe que ela possa se machucar ou desanimar. Já aconteceu de alguns meninos, que não entendem as coisas, falarem que o lugar dela não é no futebol, mandarem ela sair do time, mas ela não desiste. É por isso que eu também não posso desistir”, afirmou Tancredo.
Por fim, se o sonho de Sofia segue cada vez mais vivo, muito se deve às figuras femininas do esporte, como Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo, que é referência inclusive na função dentro de campo.
“Gosto de jogar e de fazer gol. Quero ser jogadora de futebol e chegar na seleção brasileira, assim como a Marta, que é a minha maior inspiração”, concluiu a pequena atacante.