Japer: Quais os planos dos EUA e Brasil no combate ao racismo?

Em entrevista, a ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, e a representante do governo Biden, Desirée Smith, explicam como será o acordo de combate ao racismo entre Brasil e Estados Unidos Texto: Pedro Borges e Verônica Serpa | Edição: Nataly Simões | Foto: Divulgação/MIR

16 ago 2023 - 11h30
A ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, e a representante do governo dos EUA, Desirée Smith.
A ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, e a representante do governo dos EUA, Desirée Smith.
Foto: Divulgação/MIR / Alma Preta

O Brasil e os Estados Unidos são dois países que, apesar das diferenças históricas, se assemelham em um ponto: a estrutura racista presente em ambos locais. A partir dessa semelhança, os governos brasileiro e norte-americano se uniram para buscar um caminho de colaboração internacional no combate ao racismo, com a retomada do acordo para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade (Japer).

"Esta iniciativa aproveita a experiência política interagências em ambos os países, em uma parceria única com comitês da sociedade civil e do setor privado", comenta a ministra Anielle Franco em entrevista à Alma Preta.

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De acordo com o Censo de 2020 dos EUA, a comunidade negra estadunidense representa 11,9%, enquanto no Brasil, no mesmo ano, pretos e pardos somavam 56,3% da população nacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo com a disparidade nas porcentagens, ambos países enfrentam situações parecidas nas condições vividas pela comunidade negra. Em 2021, as prisões estaduais nos EUA prenderam cinco vezes mais pessoas negras do que brancas. No Brasil, mais de 68% da população carcerária é composta por negros.

Os dois governos visam rearticular o Japer, assinado pela primeira vez há 15 anos. O acordo foi a primeira parceria entre os dois países no combate ao racismo, e começou no segundo mandato de Lula a partir de uma articulação da Secretaria de Política Pela Igualdade Racial (SEPPIR) e do Ministério da Igualdade Racial junto ao país norte-americano.

Em maio deste ano, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, se reuniu em Salvador (BA) com a representante especial de equidade racial e justiça do governo Biden, Desirée Smith, para alinhar os termos da retomada do plano.

Para Desireé, a retomada do acordo representa o compromisso de ambos presidentes, Lula e Biden, com a equidade racial e com o apoio às comunidades marginalizadas. "É crucial revigoramos [o acordo]. Trazer o Japer para este momento, para que se encaixe bem com o propósito para este momento", resumiu.

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Propostas do acordo entre os dois países

Entre as propostas da nova Japer, estão a articulação de políticas de ações afirmativas, o combate à violência e a troca de experiência entre os países em áreas como saúde e educação. Também está prevista a inclusão dos povos indígenas dos dois países, e a colaboração entre universidades brasileiras e estadunidenses, bem como a valorização da cultura negra no Brasil e nos EUA. "No Japer - 2023 há o pleito de criação de novos Grupos de Trabalho com o intuito promover maior participação social na construção das ações", diz Anielle Franco.

O novo acordo traz quatro Grupos de Trabalhos (GTs) nos temas: Acesso e permanência no sistema de educação; Justiça Racial e redução de vulnerabilidades sociais e violência letal contra comunidades marginalizadas por questões de raça e etnia, incluindo comunidades afrodescendentes e indígenas; Violência, Reconhecimento e preservação da história, cultura e memória; e Acesso aos sistemas de saúde.

Segundo a ministra da Igualdade Racial, o GT sobre Violência também discutirá o combate à intolerância religiosa. "Para este Japer também visa-se considerar todos os aspectos que envolvem a violência, desde a policial até outras formas de violência. De modo que respeito aos direitos humanos também passe a ser alinhado com as forças policiais", complementa Anielle.

A ministra conta que o plano também pretende incluir a Colômbia. "Há tratativas previstas para ações da presença negra na Colômbia, país que possui os registros de rotas de fugas para Palenques (quilombos) por meio das tranças raízes, cuja presença negra na costa e em Bogotá possui relevância histórica", acrescenta.

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O financiamento do acordo é majoritário do governo dos Estados Unidos. "Uma das coisas que tenho orgulho é que em Salvador surgiu a oportunidade de fundos de até US$ 500 mil para a sociedade civil no Brasil", afirma Desirée.

O Ministério da Igualdade Racial também busca ampliar e diversificar o orçamento dos projetos. "Como a maioria da população negra se concentra também entre a parcela menos abastada, as estratégias de incidência vão de encontro às políticas finalísticas de assistência social, acesso à renda", explica Anielle.

"Nós não somos o único país a lutar contra o racismo sistêmico. Nós reconhecemos o racismo como um desafio global, que necessita de soluções coordenadas e sustentadas globalmente", acrescenta a representante do governo Biden.

Diferenças entre o Brasil e os EUA

Apesar de o racismo ser um problema estrutural e sistêmico nos dois países, Desireé reconhece que existem diferenças entre a realidade brasileira e estadunidense. A representante do governo Biden disse que se compromete a ouvir as duas comunidades negras na reconstrução do plano de ação, com cuidado para não "aplicar a lente norte-americana relacionada à iniquidade racial em outros países".

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A ministra Anielle recorda que, no campo histórico, já existe o reconhecimento de grandes figuras do movimento negro de ambos países. "Gostaríamos de enfatizar que Angela Davis, já citou Sueli Carneiro, ao ponto de reconhecer sua vanguarda. Talvez seja impreciso afirmar que os americanos não conhecem nossos pensadores negros contemporâneos", completa.

O GT de História, Memória e Reparação buscará "construir constituintes do Pensamento Negro Contemporâneo, para alem do eixo dos dois países, para entender melhor o resgate da nossa História", conta Anielle.

O Japer de 2008

Na versão de 2008, o plano estabeleceu a troca de informações sobre as políticas públicas de enfrentamento ao racismo junto à sociedade civil, como aconteceu em um encontro de 2012, em Brasília, onde foram avaliadas políticas públicas de raça e gênero e o acesso à justiça.

Na época, para mapear instituições de fomento e parcerias, o governo brasileiro também realizou reuniões com a Caixa Econômica Federal, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

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