Jovem, negra, periférica e autodidata ganha prêmio nacional de foto

Fotógrafa pernambucana de Santo Amaro, periferia do Recife, venceu 400 inscritos com série de imagens de terreiro

15 jan 2025 - 20h28
(atualizado às 21h02)
Resumo
2ª edição do Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas foi promovido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura.

Nascida e criada na periferia de Santo Amaro, no Recife, Uenni, aos 26 anos, se tornou a primeira mulher negra a conquistar o primeiro lugar no Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, promovido pelo Iphan, que busca valorizar e promover as culturas populares brasileiras.

A fotógrafa Wenny Mirielle Batista Misael, conhecida artisticamente como Uenni, conquistou o primeiro lugar na 2ª edição do Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, na categoria Série Fotográfica, com a obra Canjerê dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada de Pernambuco.

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Autodidata desde os 15 anos e parte ativa da comunidade religiosa fotografada, Uenni apresenta em seu trabalho uma visão íntima e respeitosa de um dos rituais mais emblemáticos do terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí, popularmente conhecido como Terreiro Axé Talabi, localizado no bairro de Paratibe, na cidade pernambucana de Paulista.

Uenni começou a fotografar com 15 anos. Autodidata, não imaginava que ganharia sequer menção honrosa.
Uenni começou a fotografar com 15 anos. Autodidata, não imaginava que ganharia sequer menção honrosa.
Foto: Ernesto de Carvalho

O projeto, composto por registros realizados ao longo de dois anos consecutivos, retrata com sensibilidade a profundidade do Canjerê de Preto Velho, um ritual que celebra a sabedoria ancestral e a força dos pretos velhos na Jurema Sagrada.

As imagens capturam momentos carregados de simbolismo: pés descalços tocando o chão de barro, velas iluminando o altar e a ialorixá Mãe Lú entoando cânticos que ecoam tradições ancestrais. Na descrição da série, Uenni define o Canjerê como um “encontro com o sagrado enraizado nas terras pernambucanas”.

Fotógrafa não esperava sequer menção honrosa

O reconhecimento de Uenni no prêmio é ainda mais significativo, considerando a dimensão nacional do concurso, promovido pelo Ministério da Cultura. O prêmio, dividido em duas categorias, atraiu mais de 400 inscrições apenas na categoria em que Uenni concorreu.

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SAnto Amaro, no Recife, tem construções precárias sobre palafitas. Daqui saiu Uenni, fotógrafa autodidata e agora reconhecida nacionalmente.
Foto: Sumaia Villela/AB

“Eu nunca imaginei que fosse sequer receber uma menção honrosa, considerando a dimensão nacional do prêmio. Não tenho diploma que comprove que sou fotógrafa, nem os melhores equipamentos do mundo. Muito menos a possibilidade de viver fotografando o que gosto, que é terreiro”, disse Uenni.

Porém, “tenho a fé, a espiritualidade e o desejo de continuar me movimentando sem passar a perna em ninguém.”, diz a fotógrafa, que começou a ganhar algum dinheiro com a fotografia a partir dos 19 anos.

Terreiro é patrimônio cultural reconhecido oficialmente

O terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí tem um histórico de reconhecimento cultural, sendo declarado Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco em 2023 e Patrimônio Histórico e Cultural de Origem Africana e Afro-Indígena Brasileira do Município de Paulista em 2021.

Paulista faz parte da Região Metropolitana de Recife. Cidade abriga terreiro Axé Talabi, no bairro de Paratibe.
Foto: Prefeitura de Paulista

“Sou imensamente grata ao terreiro, especialmente pela autorização para o uso das imagens. Mesmo sendo fotógrafa, isso não me concede o direito de divulgar esses registros sem a devida autorização. Não posso, e nem quero, reproduzir as mesmas práticas colonizadoras da branquitude”, declara Uenni.

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Os pretos velhos, centrais na Jurema, são invocados no Canjerê através de orações, cânticos e pontos riscados, compondo uma verdadeira sinfonia de fé e resistência. O trabalho de Mãe Lú, como guardiã dos saberes e das práticas, também é evidenciado pela lente de Uenni, que celebra a força e o protagonismo das mulheres nas lideranças religiosas.

“Ser reconhecida por este prêmio, um dos mais importantes no campo dos registros etnográficos no Brasil, é uma honra. O Canjerê dos Pretos Velhos é um símbolo da espiritualidade, resistência e memória que marcam a Jurema Sagrada em Pernambuco”, completa ela.

Fonte: Visão do Corre
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