2ª edição do Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas foi promovido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura.
Nascida e criada na periferia de Santo Amaro, no Recife, Uenni, aos 26 anos, se tornou a primeira mulher negra a conquistar o primeiro lugar no Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, promovido pelo Iphan, que busca valorizar e promover as culturas populares brasileiras.
A fotógrafa Wenny Mirielle Batista Misael, conhecida artisticamente como Uenni, conquistou o primeiro lugar na 2ª edição do Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, na categoria Série Fotográfica, com a obra Canjerê dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada de Pernambuco.
Autodidata desde os 15 anos e parte ativa da comunidade religiosa fotografada, Uenni apresenta em seu trabalho uma visão íntima e respeitosa de um dos rituais mais emblemáticos do terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí, popularmente conhecido como Terreiro Axé Talabi, localizado no bairro de Paratibe, na cidade pernambucana de Paulista.
O projeto, composto por registros realizados ao longo de dois anos consecutivos, retrata com sensibilidade a profundidade do Canjerê de Preto Velho, um ritual que celebra a sabedoria ancestral e a força dos pretos velhos na Jurema Sagrada.
As imagens capturam momentos carregados de simbolismo: pés descalços tocando o chão de barro, velas iluminando o altar e a ialorixá Mãe Lú entoando cânticos que ecoam tradições ancestrais. Na descrição da série, Uenni define o Canjerê como um “encontro com o sagrado enraizado nas terras pernambucanas”.
Fotógrafa não esperava sequer menção honrosa
O reconhecimento de Uenni no prêmio é ainda mais significativo, considerando a dimensão nacional do concurso, promovido pelo Ministério da Cultura. O prêmio, dividido em duas categorias, atraiu mais de 400 inscrições apenas na categoria em que Uenni concorreu.
“Eu nunca imaginei que fosse sequer receber uma menção honrosa, considerando a dimensão nacional do prêmio. Não tenho diploma que comprove que sou fotógrafa, nem os melhores equipamentos do mundo. Muito menos a possibilidade de viver fotografando o que gosto, que é terreiro”, disse Uenni.
Porém, “tenho a fé, a espiritualidade e o desejo de continuar me movimentando sem passar a perna em ninguém.”, diz a fotógrafa, que começou a ganhar algum dinheiro com a fotografia a partir dos 19 anos.
Terreiro é patrimônio cultural reconhecido oficialmente
O terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí tem um histórico de reconhecimento cultural, sendo declarado Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco em 2023 e Patrimônio Histórico e Cultural de Origem Africana e Afro-Indígena Brasileira do Município de Paulista em 2021.
“Sou imensamente grata ao terreiro, especialmente pela autorização para o uso das imagens. Mesmo sendo fotógrafa, isso não me concede o direito de divulgar esses registros sem a devida autorização. Não posso, e nem quero, reproduzir as mesmas práticas colonizadoras da branquitude”, declara Uenni.
Os pretos velhos, centrais na Jurema, são invocados no Canjerê através de orações, cânticos e pontos riscados, compondo uma verdadeira sinfonia de fé e resistência. O trabalho de Mãe Lú, como guardiã dos saberes e das práticas, também é evidenciado pela lente de Uenni, que celebra a força e o protagonismo das mulheres nas lideranças religiosas.
“Ser reconhecida por este prêmio, um dos mais importantes no campo dos registros etnográficos no Brasil, é uma honra. O Canjerê dos Pretos Velhos é um símbolo da espiritualidade, resistência e memória que marcam a Jurema Sagrada em Pernambuco”, completa ela.