O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta terça-feira, 23, aposentar compulsoriamente o juiz Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (TRT-2), em São Paulo, em um processo administrativo por assédio sexual.
A decisão foi unânime. Os conselheiros entenderam que ele violou o dever de integridade pessoal e profissional, o dever de cortesia e a dignidade, a honra e o decoro das funções.
"As condutas evidentemente são gravíssimas, vergonhosas, inadmissíveis para a magistratura", defendeu o conselheiro Richard Kim.
Scalercio estava afastado do cargo desde que o processo foi aberto, em setembro de 2022. A aposentadoria compulsória é a punição disciplinar mais dura da magistratura. Ele continuará recebendo a remuneração mensal. A aposentadoria será calculada a partir do holerite de R$ 32 mil.
A presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, afirmou que as condutas do juiz causam 'repulsa' e envergonham o Poder Judiciário.
"Esse processo é paradigmático, enquanto reflete uma sociedade estruturalmente machista, que inviabiliza as mulheres e, mais do que isso, as silencia pelos constrangimentos que a elas impõe", afirmou. "Eu lamento que a nossa legislação assegure vencimentos ou subsídios proporcionais ao tempo de serviço."
O juiz foi denunciado por advogadas e ex-alunas do curso preparatório Damásio Educacional, onde dava aulas para estudantes que iriam prestar a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Elas afirmam que o contato começava nas redes sociais e que o magistrado passava a enviar mensagens de cunho sexual. Em alguns casos, segundo os depoimentos, ele oferecia ajuda profissional e ameaçava quem recusasse as investidas. Há também denúncias de abuso sexual.
As acusações chegaram inicialmente ao Me Too Brasil, movimento ligado ao Projeto Justiceiras, que presta assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual. É quase uma centena de denúncias, mas nem todas foram incluídas no processo disciplinar. O CNJ analisou três relatos - de duas ex-alunas, hoje advogadas, e de uma servidora da Corregedoria do TRT-2.
A conselheira Salise Sanchotene, relatora do caso, defendeu que os assédios ficaram provados nos três casos e que o juiz mostrou um padrão de comportamento 'absolutamente inadequado' que 'abala' a imagem do Poder Judiciário.
"Conversas indesejadas sobre sexo, anedotas ou expressões com conotações sexuais e pressão para encontros e saídas são comportamentos que caracterizam assédio", defendeu.
A defesa do juiz tentou neutralizar as acusações por meio de cópias do que seriam conversas com as vítimas. Há mensagens que mostram que algumas corresponderiam o magistrado. Os advogados também contrataram assistentes técnicos e psicólogos sociais para rebater os relatos.
A relatora, no entanto, não viu divergência entre os depoimentos. As vítimas foram ouvidas novamente no processo administrativo. "Em apuração de condutas com conotação sexual, que normalmente ocorrem às ocultas, a jurisprudência é firme em conferir especial relevo ao depoimento da vítima", afirmou Salise.
O advogado Leandro Raca, que defende o juiz, retomou os argumentos da defesa antes da votação. Ele afirmou que as aproximações foram consensuais, depois que as mulheres já não eram alunas de Scalercio, e que os relatos foram desmentidos. Ele disse ainda que as testemunhas de acusação foram apenas de 'ouvir dizer'.
COM A PALAVRA, A DEFESA
A reportagem entrou em contato com a defesa do juiz para comentar a decisão do CNJ e aguarda resposta. O espaço está aberto para manifestação.