A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi criada em 6 de julho de 2015. Segundo especialistas em inclusão, a LBI é uma das legislações mais avançadas e completas do mundo. No entanto, ao longo desses nove anos, faltaram aplicabilidade e também fiscalização.
Para Thiago Helton, tetraplégico e advogado especialista em direitos das pessoas com deficiência, o gargalo é na hora de “tirar a lei do papel”.
“Em diversos países, podemos nos deparar com uma legislação tecnicamente inferior à nossa, mas com uma experiência de deficiência mais inclusiva e com menos desafios em relação ao que nós, pessoas com deficiência, vivenciamos em diversas partes do Brasil”, afirma Helton ao Terra NÓS.
Ele lembra que a LBI tem como base os tratados da Convenção Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2008 – que conta com 185 países signatários.
A criação da LBI foi um marco histórico na luta pelos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. E tem como objetivo principal assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais para PcDs, propondo inclusão social e cidadania. A Lei nº 13.146 consolida e amplia direitos em diversas áreas, como:
- Educação: educação inclusiva em todos os níveis de ensino;
- Saúde: acesso à saúde de qualidade, incluindo reabilitação e órteses e próteses;
- Trabalho: cotas de emprego para pessoas com deficiência no setor público e privado;
- Acessibilidade: eliminação de barreiras físicas, arquitetônicas, de transporte, comunicação e informação;
- Cultura: acesso à cultura e ao lazer;
- Transporte: direito ao transporte público acessível;
- Moradia: direito à moradia acessível;
- Participação política: direito à participação política em igualdade de condições com as demais pessoas, entre outros temas.
“A nossa legislação é muito rica, mas carente de regulamentação e de vontade política para fazer acontecer. O primeiro passo, sem dúvidas, seria regulamentar a forma de avaliação biopsicossocial da deficiência”, defende o advogado.
Não tem como falar em construção de um país mais inclusivo enquanto o Brasil não for capaz de identificar os indivíduos com deficiência para fins de acesso às mais de 30 políticas públicas existentes no país.
Como são os direitos das pessoas com deficiência em outros países?
Thiago Helton cita o ADA (Americans with Disability Act), lei que proíbe a discriminação contra pessoas com deficiência nos Estados Unidos. Desde 1990, é uma referência em legislação inclusiva, destacando-se sobretudo pelo contexto de fiscalização em caso de violação de direitos das pessoas com deficiência.
“Vale destacar também o Equality Act de 2010, legislação do Reino Unido que combina aspectos de combate à discriminação, contendo normas protetivas de direitos das pessoas com deficiência”, comenta Helton.
Em comparação, ele avalia que a Lei Brasileira de Inclusão é mais analítica e completa, “até mesmo por ter sido elaborada após a Convenção Internacional da ONU”.
“Mas ainda temos um longo caminho pela frente para que aconteça a sua integral regulamentação e aplicação prática na vida dos brasileiros com deficiência e suas famílias”, acrescenta o advogado.
Patrícia Lorete, especialista em acessibilidade, diversidade e inclusão, argumenta que, além da falta de aplicabilidade da LBI, existe o desconhecimento da própria lei.
“Ainda vemos escolas recusando matrículas de crianças com deficiências, processos judiciais sem a devida prioridade, ginecologistas que desencorajam mulheres com deficiência que querem engravidar, delegacias que não estão preparadas para receber ocorrência de discriminação e muitas outras violações”, diz.
Patrícia, que também é criadora de conteúdo na página Janela da Patty, no Instagram, concorda que a Lei Brasileira de Inclusão trouxe avanços significativos, mas o capacitismo ainda impõe barreiras educacionais e no mercado de trabalho para quem é PcD.
"Conscientizar é investir no futuro"
“Ainda existem muitos vieses inconscientes, aqueles pensamentos automáticos que fazemos sem perceber em relação a quem tem deficiência. Um exemplo ligado à educação é achar que criança com deficiência intelectual não consegue aprender. Isso é um viés inconsciente. É claro que ela consegue e a lei lhe garante esse direito”, explica Patrícia.
Para a especialista, a conscientização é uma ferramenta fundamental para combater as atitudes discriminatórias. “Por meio da conscientização, temos mais chances de que as leis sejam aplicadas. Conscientizar é investir em um futuro mais acolhedor e respeitoso. E ouvir, incluir, as pessoas com deficiência faz toda a diferença.”
A conscientização também precisa partir do compromisso do Poder Público, complementa Helton. “Para desenvolver políticas públicas eficazes e estratégias de inclusão efetiva, começando pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, eliminando essas barreiras com vistas a assegurar um tratamento isonômico e igualdade de oportunidades”, conclui.