Machismo, provação e união: como é o dia a dia das casters

Cada vez mais mulheres aparecem diante das câmeras e nos bastidores do cenário competitivo de esports, antes apenas ocupado por homens

6 abr 2022 - 16h00
(atualizado às 16h28)

O cenário dos esports passa por um momento de transformação: cada vez mais mulheres encontram-se diante das câmeras, e nos bastidores do cenário competitivo. Lugar uma vez majoritariamente dominado pelos homens, onde para ascender, é necessária muita calma, planejamento e ignorar os comentários negativos. Isso foi algo uníssono nas mensagens de Bárbara Gutierrez, Fogueta, e Semile Belle, que aceitaram conversar com o Papo de Mina. 

Bárbara Gutierrez é uma das principais vozes dos esports no Brasil
Bárbara Gutierrez é uma das principais vozes dos esports no Brasil
Foto: Divulgação

“O universo de esportes eletrônicos é um cosmos da sociedade em geral, então a sociedade ainda é machista, sexista, nós como mulheres temos que nos provar 3x mais. Porque o trabalho da mulher, mesmo quando é impecável, é duvidado a todo momento. Então a gente ainda precisa ter diversos outros fatores que contribuem para que a gente seja inserida no mercado de trabalho. E ainda não temos tanta segurança.” 

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É o depoimento de Gutierrez, profissional na cobertura de eventos, empresária, colunista do GameON, do Terra, e voz ativa dentro da indústria. Ela ainda conta um pouco mais sobre este aspecto. "Profissionalmente, a mulher tem que ser 3 vezes, 4 vezes mais, e quando chega em casa, ainda tem aquela jornada dupla: tem que cuidar da casa, cuidar de tudo.” 

“No aspecto sócio racial que envolve as minas não-brancas é ainda pior. A gente tem, de acordo com a pesquisa Games Brasil, que mais da metade do público gamer brasileiro é mulher, e tem mais, quando a gente observa o aspecto-racial da pesquisa, a gente observa que mais da metade se enquadra no aspecto de pessoas não-brancas. Ou seja, o que a gente observa aqui é que o perfil do gamer no Brasil é uma mulher preta. E cadê?” 

Bárbara Gutierrez, apresentadora e comentarista de esports
Foto: Riot Games Brasil/Divulgação

Gutierrez pontua, sobre a falta de representatividade no cenário dos jogos. Infelizmente, em 2022, ainda é preciso se fazer muito pelas mulheres, e mais, pelas mulheres não-brancas do cenário. Seja diante, ou atrás das câmeras. É preciso lembrar que existe muito espaço ainda para ser conquistado, mas ele deve vir com mudanças não apenas para pessoas brancas ou de classes sociais já confortáveis. A transformação deve acontecer e alavancar mulheres pretas, periféricas, mulheres trans, mulheres lgbtqia+, dentre outras minorias ainda vistas com olhos de indiferenças. Muitas meninas sonham com o mercado de games, e para elas, Bárbara diz:

“Antes de tudo, entenda o que você quer fazer no meio dos esports. Vá entendendo o que você quer fazer no meio dos esports. Minha grande dica caso você queira entrar em games, entretenimento, cultura pop: faça um projeto seu de conteúdo. Porque é seu, você não estará sendo explorado por qualquer outra empresa que poderia muito bem te pagar mas não está te pagando, e você faz do jeito que você quiser. Ainda por cima terá um portfólio para uma possível entrevista de emprego dentro deste mercado.” 

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Trabalhar na cobertura e comentários de campeonatos é algo que pode ocorrer mesmo se você não for a melhor das jogadoras. O mercado de casters nos trouxe nomes como o de Maria Fogueta, cuja maior motivação sempre foi a paixão pelo CBLOL. 

Maria Fogueta durante cobertura do CBLOL
Foto: Bruno Alvares/Riot Games Brasil

“Minha coisa sempre foi o CBLOL. Sempre.” Fogueta é firme nesse ponto. E clareza nos seus objetivos é algo em comum no relato das três: trabalhar com esports é algo que precisa ser levado com seriedade, da mesma maneira, o mercado precisa tratar as profissionais com a seriedade que elas oferecem. “Minha questão sempre foi ser apaixonada pelo CBLOL, pela competição, e por consumir isso aqui.” Ela apresenta paixão e clareza em tudo que diz. E apresenta argumentos que muitas mulheres precisam ouvir, nem que seja pelo conforto: 

“A gente tem que parar de achar que ter ambição é algo ruim. E quando a gente é mulher, isso é ainda mais difícil.” Sendo a primeira mulher comentarista do CBLOL, ela defende o direito feminino de querer mais. Afinal de contas, mirar mais alto nunca foi problema algum - só parece o ser quando uma mulher decide que sua carreira vai continuar subindo.

E em conjunto. Como é possível perceber no instante onde Fogueta fala sobre sua grande dupla no mundo dos esports: Lahgolas. “80% da minha história no cenário de esports tem a Lahgolas.” Fogueta diz, e complementa “em todos os campeonatos, a gente se indicava.” Isso ressalta a importância da união entre as mulheres da comunidade. As três entrevistadas foram firmes sobre a importância do sentimento de união, de indicar a próxima, citando sempre inspirações e nomes como o de Ravena Dutra, Thaiga, Letícia Motta do VALORANT, Camilota XP, dentre outras. 

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Fogueta e Lahgolas, casters do CBLOL
Foto: Bruno Alvares/Riot Games Brasil

“Eu deixo bilhetinhos para as meninas ali na Riot.” Disse Semile Belle, atual caster da Wild Tour, em outra demonstração do quanto é importante uma rede de suporte, mesmo que seja um gesto de carinho num dia que outra mulher possa ter tido um dia difícil. 

“Mulheres que admira do cenário? Todas. Sou muito grata a Camilota e Ravena, por tudo que construíram pra gente. A Letícia Motta também. A Nivy. A própria Tauna. a Rafa Tomasi. Mas minha maior admiração com certeza é dona Lahgolas.” Fogueta diz ao Papo de Mina. “Estou me dedicando e me entregando demais ao meu trabalho, e estou vivendo o meu trabalho, simplesmente porque cada dia eu me encontro mais apaixonada pelo que tô fazendo. Eu amo o CBLOL. Antes de tudo, foi o CBLOL que amei primeiro.” 

E como Bárbara, ela deixa seu recado para aspirantes e mulheres já no mercado. “Dê a sua cara a tapa, se joga, se mostra, mostra clipe de você narrando, vai atrás de empresa, dispara seu portfólio, dispara seu currículo.” 

“O caminho é difícil, você tem que ser trocentas vezes mais forte que qualquer cara, que todas suas decisões tem que ser minimamente pensadas. Mas se é teu objetivo, não apenas seu sonho, vale a pena.” 

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Quanto aos comentários negativos, as três foram da mesma opinião: devem ser ignorados. Não há benefício algum, para a mulher, se focar no ódio que vem do outro. O foco deve ser em ouvir quem te acompanha, no criticismo respeitoso do dia a dia, saber direcionar sua atenção e saber que o problema não está com você, mas com quem tenta usar da violência verbal para diminuir o trabalho feminino. 

Belle trabalhou com Call of Duty antes de ir para Wild Rift. “Se você quer começar no sistema de casting, você precisa primeiro se identificar com o jogo. Estuda o jogo, como funciona o nome, as mecânicas, todo o sistema. E depois começa a estudar o sistema de narração.” 

Semile Belle, caster e narradora do Wild Tour
Foto: Cesar Galeão/Riot Games Brasil

“Você precisa conhecer o jogo pra não falar nomes errados, passar o conhecimento teórico do jogo. O portfólio é muito bom, principalmente se você quiser fazer seu networking, se você quiser oportunidades. Eu bati muito em porta, sabe? Eu fazia muito o meu mídia kit e ia mandando pra tudo quanto é campeonato, evento, time. E tem que começar de baixo.” Ela continua. 

E quanto ao fato de vozes femininas estarem tomando seu devido espaço? Ou melhor, sua devida voz? Belle tem algumas palavrinhas sobre isso: “As pessoas estão muito acostumadas a ouvir vozes masculinas, mas isso ‘tá mudando. Tá mudando no futebol, que é o esporte mais assistido, o centro da narração, e tá mudando no esports.” 

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Belle é uma das narradoras da Riot que está se destacando no cenário de esports
Foto: Cesar Galeão/Riot Games Brasil

“Todos os cenários devem ter mulheres, casters mulheres, e tratar como igual, em todos os momentos. Você vai me analisar não por conta de ser do gênero feminino, mas por conta do que eu tô apresentando vocalmente assim como outro caster.” Ressaltando a importância de foco no conteúdo apresentado pelas profissionais da área, que ela tenha seu espaço como qualquer outro homem, e tenha sua qualidade técnica avaliada por seu próprio trabalho, não gênero. 

Quando as casters, apresentadoras, mulheres em pauta fazem seu trabalho, elas colocam o coração, como na fala de Belle: “Eu vivo Wild Rift hoje, eu respiro a Wild Tour não é por obrigação, é porque eu amo. Eu durmo feliz, eu acordo feliz.”

“O que eu sei, eu ensino, o que eu aprendi com as pessoas nessa jornada, eu divido.” A carreira nos esports pode ser difícil, em passos lentos, onde o ódio é jogado de lado em nome do estudo, garra e determinação. É como no trecho acima apresentado pela caster oficial da Wild Tour: a jornada deve ser compartilhada. Assim, espaços são criados para novos nomes. Novas carreiras. Novas oportunidades. 

E que a voz delas continue ecoando, cidade por cidade, Brasil afora, e daqui para todo o mundo. 

Belle e Fogueta, casters da Riot Games Brasil
Foto: Cesar Galeão/Riot Games Brasil
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