Em outubro de 2020, uma jovem deu entrada no pronto-socorro de uma Santa Casa no interior de Minas Gerais por causa de sangramento e dor abdominal devido a complicações de um aborto ilegal que realizou. Atendida pelo ginecologista Roberto Laurents de Sousa, a mulher foi denunciada pelo médico, que chamou a Polícia Militar. Ela foi algemada nas mãos e nos pés após confessar o aborto, conforme revelado pelo site UOL. A jovem passou a responder por homicídio duplamente qualificado, tentativa de aborto e ocultação de cadáver.
O aborto é autorizado no Brasil caso a mulher tenha sido estuprada, a gravidez seja um risco à vida dela ou em caso de anencefalia do feto. Entretanto, mesmo que o caso não esteja enquadrado nessas hipóteses, o médico não pode denunciar a paciente.
Código Penal
De acordo com o Código de Ética Médica, é “vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”, diz o artigo 73.
A revelação do “segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem” é considerada uma “violação do segredo profissional”, segundo o artigo 154 do Código Penal.
O médico, que testemunhou contra a paciente em fevereiro deste ano, desafiou o que diz o Código de Processo Penal, no artigo 207. “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.
No dia 14 de março deste ano, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou sem julgar o mérito uma ação penal de um caso semelhante a este ao reconhecer que o médico violou esse mesmo artigo, o que fez as provas contra a mulher serem anuladas. O tribunal ainda ressaltou que médicos não podem denunciar pacientes por abortos e devem respeitar o sigilo profissional.
Segundo o relator Sebastião Reis Júnior, pessoas que devem guardar segredo por causa de sua profissão, como os médicos, são proibidas de depor nesses casos. “O médico que atendeu a paciente se encaixa na proibição, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão intelectual, bem como de depor sobre o fato como testemunha”, disse.
Provas ilegais
Com base na decisão publicada em março, se o médico usar o sigilo profissional para conseguir provas do aborto, elas devem ser anuladas e a ação encerrada uma vez que o processo iniciou com provas ilegais baseadas na quebra do sigilo médico.
A decisão do STJ garante que mulheres possam procurar ajuda médica caso tenham complicações por aborto. Caso sejam denunciadas mesmo assim, pacientes devem buscar a defensoria pública ou um advogado para que sejam amparadas diante da ilegalidade.