Na região do bacia hidrográfica do Tapajós, povos indígenas, ribeirinhos e urbanos vêm sofrendo com a contaminação dos rios, por conta das atividades garimpeiras. A exploração de ouro na região intensificou-se na década de 70 do século XX, com a construção das rodovias Transamazônica e de Cuiabá- Santarém e até a segunda metade desta década a exploração garimpeira era de forma manual, utilizando equipamentos rudimentares como pás e picaretas, o mercúrio só era usado para a concentração final do minério.
Mas nos dias atuais essa realidade mudou, hoje os garimpeiros utilizam escavadeiras hidráulicas e pás carregadeiras, máquinas utilizadas em canteiros de construções civis e esses equipamentos conseguem cavar enormes buracos em poucos dias no meio da floresta, agilizando o serviço para garimpeiros e multiplicando suas chances de lucro. Uma máquina dessas pode chegar a custar até R$ 1 milhão.
No rio Tapajós é comum a garimpagem feita no próprio leito do rio, com a utilização de balsas e dragas que extraem o ouro do fundo do rio e jogam a lama contaminada na água. A agressão ao ecossistema aquático é mais grave e o assoreamento do rio mais rápido.
A atividade garimpeira cresceu mais de 500% em áreas indígenas, especialmente na Amazônia, desde 2010 e hoje conta com incentivo e apoio do governo Bolsonaro. Terras, peixes e águas estão contaminados e aumentam os riscos a populações rurais e urbanas.
Em 2019, o garimpo ilegal no rio Tapajós cresceu significativamente. De acordo com um levantamento do Instituto Socioambiental, apenas entre janeiro de 2019 e maio de 2021, a área devastada pelo garimpo dentro da Terra Indígena Munduruku, localizada no médio Tapajós, cresceu em 363%.
Diante do cenário crítico por conta das ameaças recorrente que o povo Munduruku vem sofrendo nos últimos anos, a Associação Indígena Pariri, representante de povo Munduruku da região do médio rio Tapajós solicitou, através de uma carta à Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz ajuda para o seu povo. “ Em resposta a este pedido de ajuda o grupo de pesquisa “Ambiente, Diversidade e Saúde”, coordenado por mim, elaborou um projeto de para avaliar os impactos da exposição crônica ao mercúrio para a saúde e o ambiente em 3 aldeias selecionadas na Terra Indígena Sawré Muybu, localizada entre os municípios de Itaituba e Trairão”, afirma Paulo Basta, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz.
Povo Munduruku
A pesquisa realizada pelo instituto teve a divulgação recente dos resultados alarmantes que colocou em evidência a situação dos povos na região. Cerca de 14 mil indígenas Munduruku estão contaminados, 60% têm média de intoxicação acima dos níveis tolerados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e 16% dos bebês apresentaram doenças neurológicas.
Os participantes da pesquisa receberam os resultados com muita revolta, indignação e preocupação sobre a situação atual, mesmo eles já estando cientes sobres os estragos provocados pelo garimpo ilegal do ouro em seus territórios.
“Para mim não foi uma surpresa, eu sabia que a gente estava contaminado, porque a gente já estava sabendo do caso que aconteceu com o Cássio, a gente sabia que ele tinha falecido por causa do mercúrio. Eu já sabia que isso não tem cura, mas para os outros deu uma reação muito grande, ficaram desesperados com o número do mercúrio no corpo… teve uma mulher da Aldeia Poxo Muybu que quase teve depressão por causa disso”, relata Cacique Juarez Munduruku.
Os elevados níveis de contaminação por mercúrio identificados nas amostras de cabelo dos participantes, como também nos peixes consumidos pelas famílias locais continham igualmente altos níveis. Mas para o pesquisador Paulo Basta “o fato mais assustador foi constatar que a exposição crônica ao mercúrio nas comunidades tem afetado o desenvolvimento das crianças e tem comprometido a memória e o aprendizado de jovens e adultos, elevando assim o nível das ameaças às futuras gerações dos povos que vivem na floresta”.
Não é somente o povo Munduruku que está sendo contaminado pelo mercúrio, mas também toda a população que vive às margens da bacia hidrográfica do Tapajós, que tem 840 km por extensão. O rio Tapajós banha comunidade ribeirinhas, territórios indígenas e centros urbanos, como a cidade de Santarém que está a mais de 300 km da região onde há concentração de garimpos, que fica na região do médio e alto rio Tapajós próximos aos municípios de Jacareacanga e Itaituba, no oeste do Pará.
Santarém
Na cidade de Santarém foi realizado um estudo pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Fiocruz e o WWF, que coletou sangue de 462 pessoas entre 2015 e 2019. Dentre as pessoas pesquisadas, 203 são moradoras da área urbana de Santarém e 259 vivem em oito comunidades ribeirinhas, próximas ao município, sete são comunidades à margem do rio Tapajós e uma é a comunidade Tapará, no rio Amazonas. A pesquisa concluiu que todos os participantes apresentaram níveis elevados de mercúrio no sangue, sendo que 75,6% delas apresentaram concentrações do metal acima do limite de 10 μg/L (microgramas por litro). A média da concentração na população é quatro vezes superior ao limite seguro da OMS.
A exposição ao mercúrio não se restringe somente às áreas dos garimpos, mas pode ocorrer em grande parte da bacia hidrográfica do Tapajós, região onde há uma grande concentração de povos tradicionais como indígenas de 14 povos diferentes e ribeirinhos.
Para as populações tradicionais o consumo do pescado é diário e os dados das pesquisas indicam que comer peixe, beber água e nadar na bacia do rio Tapajós aumentam a chance de contaminação por mercúrio.
“Não é só os mundurukus que estão se contaminando, a população em geral, tanto ribeirinhos como as pessoas que moram na cidade. De Santarém até a divisa do Mato Grosso estão se contaminando, nossa alimentação está sendo contaminada, principalmente nosso peixe”, relata Cacique Juarez Munduruku.
O mercúrio é um metal pesado tóxico que frequentemente é associado a danos nos tecidos e deficiências na saúde mental, além de alterações comportamentais, imunológicas, hormonais e reprodutivas. As pessoas com níveis mais altos do metal apresentam sintomas mais graves, mas os sintomas são observados também desde níveis baixos de contaminação.
O diagnóstico da contaminação por mercúrio ainda é uma doença muito subnotificada nos hospitais da região. O diagnóstico é pouco utilizado pelos médicos da região, mas como a procura pelo sistema de saúde por garimpeiros e pessoas que sofrem diretamente as consequências do uso do mercúrio na atividade, apresentando sintomas neurológicos, digestivos, psiquiátricos e respiratórios têm aumentado isso começa ser um alerta muito grande e o sistema de saúde precisa ter respostas para as populações e os gestores devem estar preparados para identificar e mitigar os efeitos da presença do mercúrio na água e nos peixes.
Vítima do garimpo
Um caso recente de morte por intoxicação por mercúrio oriundo do garimpo ilegal na região, foi do ambientalista Cássio Beda, em abril de 2021. Cássio trabalhou por dois anos com os indígenas do povo Munduruku no médio e alto Tapajós e acabou desenvolvendo a Síndrome de Minamata de forma aguda.
Foi devido saberem a situação acometida por Cássio que as lideranças do povo Munduruku do médio Tapajós resolveram solicitar a pesquisa. “A gente ficou preocupado e fizemos uma carta quando o Dr. Marcelo veio aqui com a Associação Pariri, pedimos para que viessem fazer uma pesquisa aqui no médio, aí eles atenderam nosso pedido”, afirma Cacique Juarez Munduruku.
A Síndrome de Minamata causa dormência e formigamento nas mãos, pés e boca; fraqueza; dificuldade de caminhar; descoordenação motora; descontrole dos reflexos; insônia; embaralhamento e problemas de movimentação nos olhos, surtos psiquiátricos e agitação generalizada.
Projeto de Lei Nº 191/2020
O pesquisador Paulo Basta da Fiocruz alerta sobre os projetos de morte que estão ameaçando os povos mundurukus e também outros povos indígenas da Amazônia e que a base governista pressiona a urgência de sua regulamentação. “Dentre outros projetos de morte, como os próprios indígenas os classificam, vale chamar a atenção para o Projeto de Lei Nº 191/2020. Esse projeto visa regulamentar as atividades de mineração em áreas preservadas da Amazônia, incluindo Terras Indígenas, Áreas de Proteção Ambiental e Unidades de Conservação”, afirma.
Sendo que em 2013, com a Convenção de Minamata que pede o banimento global da produção e uso do mercúrio em itens como lâmpadas, cloro e soda cáustica. Um total de 128 países assinaram o acordo, promulgado pelo Brasil em 2018. Até agora, o país não deu passos concretos para eliminar a substância.
“O poder público precisa tomar providência para acabar com esse tipo de atividade porque isso traz a doença para população. A gente precisa pensar no futuro, pensar na vida da água. A água é nosso sangue, ela corre dentro das nossas veias, a gente não tem como tomar a água doente por causa dessa atividade e as pessoas que trabalham com essa atividade estão adoecendo a água,a fonte, o igarapé. Tudo tá doente por conta do garimpo, chegou o momento do poder público olhar para saúde da população e não olhar pela atividade garimpeira, não olhar pelo desenvolvimento que ela traz, porque o garimpo não traz desenvolvimento, ele aumenta a doença. É isso que o garimpo traz, o poder público precisa entender isso”, finaliza Cacique Juarez Munduruku.