Millena Passos e a trajetória de luta por direitos de trans e travestis

A ativista baiana é a primeira transexual no Brasil a ocupar um cargo em uma secretaria estadual de Mulheres e é homenageada em projeto de lei de combate à LGBTfobia

16 mai 2022 - 11h32
(atualizado em 18/5/2022 às 17h41)
Millena é uma mulher negra. Ela usa argolas douradas, batom vermelho e uma blusa amarela
Millena é uma mulher negra. Ela usa argolas douradas, batom vermelho e uma blusa amarela
Foto: Divulgação / Alma Preta

"Minha vida não foi fácil": é assim que Millena Passos fala sobre sua trajetória pessoal e profissional. Com mais de duas décadas de militância pela população LGBTQIA+, a ativista baiana é considerada uma referência no combate à LGBTfobia e foi a primeira transexual a ocupar um cargo em uma secretaria estadual de Mulheres.

Com movimentos sociais, Millena transformou a sua existência em luta política: foi pioneira ao trazer para a Bahia o primeiro Simpósio Nacional de Política para Transexuais, que resultou na instalação de um ambulatório transexualizador, onde pessoas transgêneros têm acompanhamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

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Também em conjunto com entidades LGBTQIA+, Millena apresentou uma ação que resultou no processo de Transexualização no SUS, em 2013, que garante uma série de direitos de saúde às travestis e pessoas trans, como as cirurgias de redesignação genital. Além disso, a ativista também atuou em defesa do nome social para travestis e transexuais, implementado pela Portaria 120/2013 e ampliada ao Conselho Estadual de Educação a estudantes das escolas baianas.

Atualmente Millena Passos está à frente da secretaria executiva do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, da vice-presidência da União Nacional LGBT e da coordenação do Grupo Gay da Bahia (GGB).

Ela explica que os estigmas em torno da discriminação de gênero e da orientação sexual que atinge a população LGBTQIA+ se agravam conforme os marcadores raciais e de classe, entre outros.

"Quando se fala em mulher trans, negra, da periferia, os recortes que vão vindo são carregados de estigmas. Não é fácil. Hoje eu sou uma figura de respeito, mas eu sei em qual lugar eu vou", diz Millena.

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"Minha militância não é de cima, ela é da ponta. Quantas pessoas já morreram no meu colo, quantas pessoas eu já fui mãe?", questiona a ativista.

Mesmo com diversas atuações dentro dos movimentos sociais, ainda hoje Millena é atravessada pela transfobia em diversos espaços e por situações de constrangimento dentro de estabelecimentos, como lojas, shoppings e farmácias. "Infelizmente a LGBTfobia ainda é uma doença de Chagas", ressalta Millena Passos.

Como forma de garantir os direitos de existir e de acessar espaços com respeito e dignidade, ativistas, entidades e movimentos sociais tem se mobilizado para aprovação do Projeto de Lei (PL) 22.845/2018, intitulado "PL Millena Passos", que estabelece punições administrativas por práticas LGBTfóbicas em estabelecimentos, públicos e privados, em todo o estado.

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De autoria do deputado Zó (PCdoB), o projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) desde 2018 e foi aprovado na Comissão Educação da ALBA na última terça-feira (10).

Agora, a expectativa é que o PL seja aprovado no dia 17 de maio, Dia Internacional de combate à LGBTfobia. Na data, ativistas e movimentos farão uma ocupação em frente à Alba como forma de pressionar pela celeridade da validação do texto.

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Ao todo, mais de 100 entidades, ativistas e artistas assinam a carta "Bahia sem LGBTfobia", que pede compromisso da Casa Legislativa e ampliação das discussões em torno das pautas da comunidade LGBTQIA+.

Para Onã Rudá, fundador da LGBT Tricolor e um dos autores do PL, a aprovação do texto vai representar um avanço nas políticas públicas e proteção para a comunidade LGBTQIA+. O ativista, que fez a escolha do nome do PL, também diz que o texto também é uma forma de homenagear uma pessoa trans em vida.

"Aprovar esse PL, nessa data, homenageando uma mulher trans viva, em um país onde a expectativa de vida das pessoas trans é de 35 anos e 90% das pessoas trans tem como única fonte de renda se colocar a serviço da prostituição, é uma conquista, um marco singular para nossa comunidade", destaca o ativista.

Segundo o relatório mais recente divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), a Bahia é o segundo estado com maior número de assassinatos contra a população LGBTQIA+, tendo Salvador como a capital mais violenta para a mesma população, com 12 mortes em aproximadamente 3 milhões de habitantes.

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"Nós podemos, sim, fazer uma sociedade menos violenta que não se orgulha em ostentar esses números assustadores e que os políticos e dirigentes não se constrangem em defender direitos dessa comunidade", completa Onã Rudá.

Já a presidenta da União Nacional LGBT, Lívia Ferreira, destaca que o PL é importante porque será uma ferramenta de proteção para a comunidade LGBTQIA+ nos 417 municípios da Bahia.

"O PL Millena Passos vem fortalecer a luta de uma comunidade que vem passando por diversas afrontas e violências", comenta Lívia.

"Millena Passos é uma lenda vida. É uma mulher que conseguiu contrariar as estatísticas, que até então era de 35 anos de vida. Para a gente, é muito fortalecedor", ressalta a presidenta da UNA LGBT.

Para Millena Passos, a lei significa o reconhecimento de mais de 20 anos de caminhada política. "Fico muito grata em ser reconhecida em vida porque a gente costuma sempre ser lembrada em morte. Isso é a reafirmação do meu trabalho na luta contra a LGBTfobia", completa.

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