Ministra Anielle Franco quer decreto que garante 30% de negros em cargos altos do Governo

Ministras da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas tomaram posse nesta quarta-feira (11), em Brasília, em cerimônia restrita; Anielle Franco conversou com a Alma Preta e revelou plano inicial da pasta

16 jan 2023 - 10h28
Anielle Franco durante discurso de posse enquanto ministra da Igualdade Racial.
Anielle Franco durante discurso de posse enquanto ministra da Igualdade Racial.
Foto: Letícia de Maceno/Alma Preta / Alma Preta

Dos 37 ministros e ministras que tomaram posse formalmente no dia 1º de janeiro de 2022, em sessão solene, em Brasília, Anielle Franco e Sonia Guajajara foram as últimas a terem a sua cerimônia festiva marcada. A solenidade estava prevista para acontecer na segunda-feira (9), mas, por causa dos ataques golpistas que aconteceram na sede dos Três Poderes, no último domingo (8), a reunião precisou ser adiada.

No final da tarde desta quarta-feira (11), as novas mandatárias das pastas foram empossadas no Salão Nobre do Palácio do Planalto, em um encontro restrito - por questões de segurança - que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de pessoas próximas ligadas aos novos ministérios. A posse contou com transmissão ao vivo pelos YouTube do Ministério da Igualdade Racial e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

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À Alma Preta Jornalismo, Anielle Franco contou quais os direcionamentos o Ministério da Igualdade Racial deve tomar neste período inicial de mandato. Como uma de suas primeiras atribuições como chefe da pasta, ela quer aprovar um decreto que garante a ocupação de pelo menos 30% de negros nos mais altos cargos do funcionalismo público.

"Estamos tentando aprovar um decreto para termos pelo menos 30% de pessoas negras em cargos de confiança dentro do serviço público. Tem muita coisa para ser feita e falo isso sem querer diminuir as muitas pautas que temos porque tudo é emergencial para gente. Seguimos sem emprego, com fome e morrendo", comentou.

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Segurança público para população negra

Anielle Franco ressaltou que, além de pensar novas políticas afirmativas voltadas para a população negra, não pretende deixar de lado as pautas históricas, principalmente aquelas consideradas urgentes relacionadas, por exemplo, à segurança pública dessa população. De acordo com um estudo feito pelo Instituto Sou da Paz, com dados cedidos pelo Ministério da saúde, homens negros tem 3,5 mais chances de serem assassinados do que brancos.

Este grupo teve 80% mais vítimas por armas de fogo no ano de 2020. O levantamento concluiu ainda que o índice de homicídios de homens negros pode ser até 30 vezes maior do que a de homens brancos, como acontecem nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, que registraram a maior taxa de vítimas da violência armada contra homens negros naquele ano.

"A vitimização da violência armada é a consequência extrema de uma série de desigualdades e vulnerabilidades sociais as quais a população negra está mais submetida. Se nos baseamos pelo IBGE, teremos vários indicadores, como renda, acesso ao trabalho, moradia, educação, que, se observados, é muito pior para população negra", reflete Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz.

"Por outro lado, essa violência que afeta mais a população negra também contribui para a manutenção desse fato porque há dificuldade no acesso à educação, por exemplo. A maior vitimização de pessoas negras prejudica também o acesso à educação das crianças, que terminam órfãos, muitas vezes, do pai", complementa a pesquisadora, ressaltando a importância da criação de ambos os ministérios para a diminuição da violência contra os negros e povos indígenas.

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Símbolo da luta antirracista

À reportagem, Anielle Franco comentou que, antes mesmo da sua posse, já vinha fazendo movimentos para colocar em prática propostas de defesa para essa população. Com relação a segurança pública, a nova ministra disse que o diálogo com o Ministério da Justiça (Flávio Dino, PSB) será essencial para o combate ao genocídio dos negros. "Quando eu penso nesse enfrentamento, é um enfrentamento que eu penso ele de muitas formas. Primeiro, a gente precisa sentar e dialogar com o Ministério da Justiça para pensar medidas e desafios", comentou.

"Ter Anielle à frente desse ministério tem um simbolismo muito grande porque ela e sua família foram vítimas da violência armada, racial e de gênero no Brasil com o caso da sua irmã, Marielle. Ela já vem trabalhando a um tempo nesta causa e isso é importante porque Anielle já tem um olhar integrado para as políticas de igualdade de racial", pontuou Cristina Neme.

Durante a cerimônia, Anielle Franco se emocionou ao homenagear a irmã, a ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018 junto com o motorista Anderson Gomes em uma emboscada. "Nós estamos aqui porque temos um projeto de país onde uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes espaços de tomada de decisão sem ter a sua vida ceifada com cinco tiros na cabeça", bradou, emocionada.

"Sinceramente, acredito que a gente tem uma missão aqui e não podemos fazer mais do mesmo. Óbvio que respeitamos muito do que já foi feito, mas precisamos estar a frente, pensar cada prioridade concretamente para que a gente possa, de fato, ter uma reparação histórica ou iniciar essa reparação agora dentro deste ministério porque esse vai ser um movimento de extrema importância para nossa população", ponderou na entrevista.

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Revisão da Lei de Cotas

Uma das prioridades da nova pasta, aliás, é a revisão da Lei de Cotas, que deveria ter sido revisada no ano passado, quando a proposta completou 20 anos de vigência, mas o adiamento da discussão do texto no Congresso Nacional terminou deixando empurrando a análise para o último lugar na lista de prioridades do deputados e senadores federais.

"Queremos garantir e fortalecer a lei de Ensino Superior. Eu sou fruto dessa lei desde 2012, quando entrei na UERJ e agora o nosso papel é fortalecer. Ela vai ser revisada, enquanto política, mas a lei vai seguir vigente. Precisamos fortalecer esse debate que faz parte de uma das secretarias que teremos no Ministério e também faz parte da minha vida. Enquanto eu estiver à frente desse Ministério, eu vou fortalecer essas leis", garantiu a ministra da Igualdade Racial.

Em sua equipe, como secretária executiva: Roberta Eugênio; Márcia Lima assume a Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo; Iêda Leal fica a frente da, Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial; Ronaldo dos Santos encabeça a secretária de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos; e, por fim, Flávia Tambor, que fica como chefe de gabinete.

Outras prioridades

A saúde da população negra e a garantia e ampliação da lei que reserva 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para população também estão na lista dos primeiros pontos adotados como prioritários. "Precisamos sentar, pensar e ver como podemos fortalecer toda essa questão de fraude e estudar também como não perder uma lei tão importante, mas que seja cumprida da maneira que tem que ser", comentou.

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Sobre a área da saúde, Anielle revelou que já vem montando uma equipe. "Já estou em contato com a Nísia [Trindade, ministra da saúde], Lúcia Xavier [ativista dos Direitos Humanos], Jurema Werneck [ativista feminista e médica] e Fernanda Lopes [doutora em Saúde Pública pela USP], que são três referências de mulheres negras nessa área. Vamos levar [esses pontos] para os outros ministérios".

Injúria racial e racismo

Durante a cerimônia de posse das duas ministras, o presidente Lula aproveitou para sancionar a lei que tipifica injúria racial ao crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível. O projeto já tinha sido aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2022.

Injúria Racial é caracterizada quando uma pessoa ofende a honra de outro indivíduo por causa da cor, raça, etnia, naturalidade ou religião. Com isso, a proposta aumenta de 1 a 3 anos para 2 a 5 anos a pena de prisão pelo crime. O texto prevê ainda a proibição do criminoso que cometer o ato em um estádio de futebol, por exemplo, de frequentar por três anos o espaço onde ocorreu o crime.

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