Para a escritora e geógrafa Márcia Kambeba, de Belém do Solimões (Amazonas), datas como o Dia do Indígena e o Descobrimento do Brasil merecem reflexão, não celebração. "Há mais de 500 anos as forças de dominação impactam a vida e a cultura dos indígenas. Ainda hoje o território do sagrado e das aldeias, é invadido e violentado. Logo, o pajé vira pastor. Transformam nossos seres encantados em mitos, folclore. Nossos rituais são demonizados e nossas formas de viver no território, modificadas. Ainda é preciso apagar as religiões que aqui encontraram", reclama.
Nascida em uma aldeia Ticuna, Márcia Vieira da Silva, conhecida como Márcia Wayna Kambeba, é indígena do povo Omágua/Kambeba e trabalha como Ouvidora Geral da Prefeitura de Belém (PA), cargo que compõe o secretariado do prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL). Autora de "O lugar do saber ancestral" (Uk'a Editorial), ela também escreve poesias e ministra palestras. Ao ser indagada sobre a história envolvendo o descobrimento do Brasil há 522 anos, é categórica: "Eu penso que o descobrimento, na verdade, foi uma invasão de território. Coube às companhias religiosas o papel da dominação. O processo começou no século XVI, quando jesuítas chegavam por aqui, fincavam cruzes no solo e celebravam missas. Essas missas significavam o domínio da cultura do povo deles sobre a dos povos originários", observa.
Para Márcia, atribuir a chegada de Cabral a Porto Seguro (BA) como "descoberta" parte de uma lógica eurocêntrica e desconsidera a existência de sociedades sofisticadas, tecnológicas e diversas que já habitavam as Américas de norte a sul há milhares de anos. "De 1.500 aos dias de hoje, mais de mil povos indígenas foram violentados e dizimados através de guerras e doenças espalhadas pelos brancos até chegarmos em aproximadamente trezentos", lamenta.
Aos 43 anos de idade, Márcia faz questão de lembrar, neste Dia do Indígena, que experimentou muita discriminação ao longo da vida. "São muitas as formas de apagamento dos indígenas, entre elas o que hoje se chama de 'bullying' e acontece nas cidades. Muitas vezes a pessoa passa a negar, a se recusar a ser indígena para evitar a dor. Eu vivi isso a minha vida toda. Os não indígenas evitavam ficar perto de mim. Diziam que eu mordia até tirar pedaço, que fedia a índio, que era feia como índio. Mas eu consegui sobreviver a tudo isso e hoje isso me faz mais forte", relata.