As mulheres e as meninas negras são percebidas como as principais vítima de estupro no Brasil. É o que aponta o estudo 'Percepções sobre direito ao aborto em caso de estupro', publicado pelos intitutos Locomotiva e Patrícia Galvão. De acordo com a pesquisa, 57% dos entrevistados acreditam que as mulheres negras são as principais vítimas desse crime no Brasil.
Segundo o levantamento, 64% da população e duas em cada três mulheres - um número que abrange mais de 122 milhões de brasileiros - conhecem ao menos uma mulher ou menina que já foi vítima de estupro. Entre as mulheres entrevistadas, 16% - 14,1 milhões de brasileiras - declaram já terem sido vítimas do crime. Em 84% dos casos, o estuprador era alguém do círculo social da vítima.
Além disso, 95% das entrevistadas apontaram terem medo de serem vítimas de estupro, 87% das que disseram sentir muito medo são mulheres negras e 88% são jovens de 16 a 24 anos.
O levantamento foi realizado com 2 mil pessoas, entre homens e mulheres com 16 anos ou mais, em todo o território nacional entre os dias 27 de janeiro e 4 de fevereiro deste ano.
"A pesquisa mostra que a sociedade brasileira vem avançando no reconhecimento do que é um estupro. Hoje as pessoas sabem que o perigo está menos em um desconhecido na rua e muito mais nas relações pessoais e familiares e também que as mais vulneráveis são as meninas e, considerando os grupos raciais, as mulheres e meninas negras", explica Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.
A diretora executiva pontua que há uma parcela ainda significativa de pessoas que não reconhece como estupro várias situações que podem levar a uma gravidez e que, portanto, se enquadrariam no direito ao aborto previsto por lei.
De acordo com o levantamento, 21% dos respondentes não consideram que fazer sexo com uma menina menor de 14 anos mesmo que ela autorize é estupro e 38% não consideram que se um homem tirar o preservativo durante o sexo sem a mulher perceber ou consentir está cometendo um estupro.
"Esse desconhecimento não apenas contribui para a naturalização dessas formas de violência sexual em nossa sociedade, mas obriga as vítimas de estupro que teriam direito a um aborto legal a levar adiante essa gestação ou, o que costuma ocorrer na maioria desses casos, a recorrer a métodos clandestinos e inseguros", salienta Jacira.
Relatório publicado pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão no final de março de 2022.
Percepções sobre o aborto
O estudo também buscou saber as percepções da população quando ocorre a gestação em decorrência de estupro e interrupção da gravidez.
Atualmente no Brasil, o aborto é permitido em três casos: se há um risco de vida para a para a mulher, se o feto for anencéfalo (quando tem uma má formação cerebral) ou em casos em que a gravidez é resultante de um estupro. Uma mulher que aborta em casos que não os previstos, pode ser julgada e receber condenação de três a seis anos de reclusão.
Mesmo em casos previstos, mulheres que procuram a interrupção da gravidez também enfrentam dificuldades para a realização, seja no acesso ao atendimento ou na discriminação que passam por parte de pessoas que não concordam com esse direito.
Foram 77% os entrevistados que concordaram que as mulheres pobres que não podem pagar por uma interrupção de gravidez realizado com orientação médica são as que mais sofrem com a criminalização do aborto no Brasil.
O relatório aponta que, em pouco mais da metade (52%) dos casos conhecidos de gravidez decorrente de estupro, a gestação não foi interrompida. São 11,9 milhões de pessoas que conhecem algum caso assim.
Ainda de acordo com Jacira Melo, os dados mostram que 73% dos entrevistados concordam que quem defende o aborto em qualquer circunstância não está pensando no que vai acontecer com a mulher ou menina se ela for obrigada a levar essa gravidez adiante.
"A pesquisa evidencia como a população brasileira é sensível ao drama das vítimas de estupro que se descobrem grávidas após a violência e considera que o aborto nesses casos é um direito para proteger a saúde física e mental das vítimas. Entre as mulheres entrevistadas, 75% gostariam de poder optar por um aborto se engravidassem após um estupro", reforça a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão.
Para 64%, a discussão sobre aborto no Brasil é, principalmente, um tema de saúde pública e de direitos, não de polícia ou religião. Para três em quatro pessoas, o direito ao aborto deve ser mantido nos casos previstos por lei atualmente ou ampliado.
Atendimento em serviços em saúde e delegacias
Outro dado revelado pelo estudo é de que a percepção geral é de que as vítimas de estupro não buscam atendimento em serviços de saúde ou delegacias por vergonha e medo de exposição, além de terem receio de não acreditarem nelas.
Relatório publicado pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão no fim de março de 2022.
O levantamento revela que 81% das mulheres que declararam já terem sido vítimas de estupro, ou seja 8 em cada 10 mulheres, não procuraram nenhum serviço de apoio. Só 5% das respondentes declararam ter procurado a polícia e um serviço de saúde.
Entre os entrevistados, 51% não conhecem a lei que garante atendimento imediato e integral de saúde à vítima de estupro sem necessidade de fazer um boletim de ocorrência.
"É preciso informar a população, e sobretudo as mulheres, sobre seus direitos e requisitos necessários ou não em caso de estupro. Isso é importante sobretudo em uma situação em que a maior parte dos estupros ocorrem por pessoas do círculo social das mulheres e grande parte não sabe que o acesso a serviços de saúde não implica em denúncia do agressor (fato que pode ser decidido depois, inclusive com apoio psicológico para a vítima)", conclui o relatório da pesquisa.
Um caso de violência contra a mulher é registrado a cada cinco horas