"Todos se surpreenderam ao ver uma garota de 14 anos com o nível de ginástica que eu tinha, mas na época nem eu sabia que era extraordinária", disse certa vez Nadia Comaneci em uma entrevista. Uma pesquisa rápida no YouTube sobre vídeos da apresentação da ginasta romena nas Olimpíadas de Montreal (Canadá), em 1976, pode explicar tamanho assombro. Até hoje, quase meio século depois, é praticamente impossível não se deslumbrar com sua performance perfeita.
- Esse artigo faz parte da série Mulheres Olímpicas, que conta histórias de mulheres que brilharam e se tornaram referências mundiais nos seus esportes, impactando gerações futuras.
Serena e graciosa, a adolescente pioneira executou seu trabalho nas barras assimétricas e recebeu a então inédita nota 10. Era uma pontuação considerada tão inalcançável que os placares nem estavam programados para exibi-la: configurados apenas para exibir notas até 9.99, a tela mostrou 1.00 e causou confusão entre as atletas, os técnicos e o público. A Federação Internacional de Ginástica considerava impossível um atleta alcançar a perfeição e, por isso, não havia programado espaço para duas casas decimais na nota. Dissipada a dúvida, os aplausos vieram.
Em Montreal, Nadia executou perfeitamente mais seis apresentações e com sete notas 10 fez história na ginástica artística. Ao todo, levou para casa três medalhas de ouro (individual geral, barras assimétricas e trave de equilíbrio), uma de prata por equipes e a de bronze no exercício de solo.
Origens
Nadia nasceu em uma pequena cidade da Romênia, na época um estado soviético em que o orgulho nacional era um fator primordial para o governo - o que potencializou a euforia com seu desempenho fascinante nas Olimpíadas.
Ela começou a treinar ginástica aos seis anos de idade, com tudo pago pelo governo romeno, e aos nove venceu seu primeiro campeonato júnior. Uma das primeiras alunas do prestigiado treinador Béla Károlyi, se dedicou a aprimorar cada vez mais os dons naturais. Em 1975, ela foi a pessoa mais jovem a participar do torneio Champions All e, no mesmo ano, ganhou quatro medalhas de ouro e uma de prata no Campeonato Europeu.
No ano seguinte aos jogos de Montreal, Nadia brilhou no Campeonato Europeu e nas Olimpíadas de Moscou. Já consagrada, ganhou mais duas medalhas de ouro e duas de prata nos jogos.
Embora tenha se tornado uma estrela internacional, estampando capas de diversas revistas, Nadia Comaneci vivia sob o governo ditador de Nicolae Ceausescu (1918-1989) e não tinha liberdade para entrar e sair de seu país, a não ser para competições que interessassem ao governo.
Ela era mantida sob constante vigilância pelo regime, que explorava avidamente sua imagem - algo que a incomodava. Boatos circularam na época sobre uma suposta tentativa de suicídio devido à pressão da fama, ao divórcio dos pais e às restrições sofridas durante a chamada Guerra Fria, mas Nadia posteriormente desmentiu a história.
Novos rumos
Nadia se aposentou em 1984 e em 1989 fugiu da Romênia atravessando a pé uma floresta até a Hungria, pouco antes da queda do Muro de Berlim e da morte de Ceausescu, deposto e assassinado em 25 de dezembro daquele ano. Ela conseguiu chegar a Nova York, onde recebeu asilo.
Em 2003, teve publicada sua autobiografia intitulada "Letters to a Young Gymnast" ("Cartas a uma Jovem Ginasta", em tradução livre). Casada desde 1996 com o ex-ginasta estadunidense Bart Conner, ela mantém com o marido a Bart Corner Gymnastics Academy, um dos maiores e melhor equipados ginásios dos Estados Unidos e próprio para o treinamento de ginastas a partir dos dois anos de idade.
Hoje, aos 62 anos, Nadia ainda é uma das maiores referências da ginástica artística por ter transformado a percepção de excelência na modalidade, mostrando o que é possível alcançar com talento, disciplina e dedicação.
Em entrevista concedida ao "Globo" em abril deste ano, Nadia Comaneci contou que não vê a hora de conferir o duelo entre a brasileira Rebeca Andrade - a quem chamou de "artista" e "diva" - e a americana Simone Biles nos aparelhos da ginástica artística. Sem admitir nenhuma torcida, comentou: "O que eu posso dizer é que a ginástica provavelmente será um esporte emocionante para se acompanhar em Paris."