É muito comum ver, principalmente no mês de junho, a população LGBTQIA+ sendo associada ao amor. Em muitos casos única e exclusivamente ligada ao amor, apesar da demanda dessa população ser, ainda, sobre o direito de ser e existir.
Mas, mesmo quando se fala em amor, ainda há negação para pessoas LGBTQIA+. Para a professora Berenice Bento, docente do departamento de Sociologia da UnB (Universidade de Brasília), e pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), isso acontece porque as "sexualidades dissidentes" fazem um movimento de "tentativa de ser aceito dentro da lógica da heteronormatividade".
"São pessoas que estão tentando negociar com a norma sexual hegemônica para serem aceitos --ser chamado para uma festa de família, mas sabe-se que não pode dar 'pinta'. São corpos que vão participar das festividades sociais sem beijos, sem abraços. Essa performance do desejo só é autorizada para os casais heterossexuais", explica Berenice.
Para o sexólogo e psicólogo Rigle Guimarães, é importante refletirmos a partir do início, daquilo que nos é ensinado como o que seria “certo”, “normal” e “esperado” desde quando nascemos.
Rigle destaca que "o pensamento da sociedade é estruturado por vias de poder que se entrelaçam como política e religião" e, segundo a lógica de ensinamento dessas vertentes extremamente fortes e influentes, "a continuação da espécie seria o grande objetivo do ser humano na terra".
Isso por si só já é totalmente absurdo e redutivo, pois ninguém deveria ser resumido apenas a se reproduzir, somos um complexo bem maior e extenso de vivências e significados", explica Rigle.
Por isso, quando um adolescente vai se entendendo como pessoa LGBTQIA+, continua Rigle, "ele tende a sofrer porque geralmente não há suporte em casa ou mesmo na escola para entender os próprios desejos e sentimentos como naturais, mas há muitas previsões negativas acerca de sua própria sexualidade", completa.
O sexólogo também explica a quebra da expectativa quando um filho conta para os pais sobre sua orientação sexual. "Ninguém veio aqui para cumprir aquilo que seus pais projetaram, contudo, essa quebra de expectativa é tão impactante para a maioria dos pais que a única mensagem que parece ressoar daqui pra frente é somente que esse filho quer amar alguém do mesmo sexo, e essa forma de amor, graças aos ensinamentos passados pelos mecanismos de poder que citei anteriormente, é errada, não natural e inaceitável", detalha.
Berenice Bento reforça que "a heteronormatividade opera na subjetividade dos casais de forma que eles passam a não ter sexualidade. Não pode dar beijo, não pode se abraçar, não pode demonstrar carinho".
A professora também explica que a busca pelo afeto em público é um movimento de resistência. "O que diferencia essas pessoas de serem amigas é que elas se desejam. Quando você vai para público e explicita isso, a força revolucionária do beijo em público, dizer que esse espaço público nos pertence integralmente. A ideia da politização do desejo está aí, essa pessoa não está mais se submetendo à heteronorma e sim entrando em disputa de fato, se dá uma luta pelo reconhecimento do desejo."
Rigle explica também que "é passado, de geração para geração, que relacionamento deve ser entre um homem cis e uma mulher cis com fins reprodutivos", por isso "replica-se assim a ideia de que somente essa forma de afeto e desejo seria 'normal' e tudo o que vier diferente disso precisa ser questionado, indagado e, principalmente, negado".
"Porque os desejos, afetos e necessidades de um lado são permitidos e do outro são passíveis de agressão, violência e morte? A homofobia sendo um conglomerado de atitudes e sentimentos negativos e preconceituosos direcionados a pessoas que se sentem atraídas por outras do mesmo sexo pode ser o fenômeno que melhor explica por que apenas o modelo heterocisafetivo é o aceitável", conclui o sexólogo.
Histórico de violências
Olhar pelo viés do amor, para Berenice Bento, é mostrar que "a única autorização social para que duas pessoas do mesmo gênero se amem seja pelo viés do amor". "Parte considerável disso vem do histórico de como os movimentos sociais", conta.
Durante a epidemia de HIV/Aids, lembra a professora, um discurso que se instaurou dentro do movimento, principalmente movimento gay, era de que não havia promiscuidade e que essas pessoas queriam se casar e adotar. "A denúncia das igrejas era a promiscuidade e isso produziu um efeito nos movimentos sociais e de agenda, que vinculou sexo, amor e casamento".
"Isso não é um problema, porque o mundo é diverso. O problema é quando isso se transforma na norma dentro da margem. É como se essas sexualidades dissidentes estejam na margem, mas que dentro dessa margem exista um centro. Esse centro passou a ser o total. A pessoa que quer casar, muito pautada no amor romântico heteronormativo, passa a se constituir como a norma e como todas as outras experiências serão avaliadas".
Rigle reforça a urgência em criar uma "consciência dentro e fora do meio de que amor e sexo são apenas partes de nossas vidas".
"Nosso todo é muito mais complexo, abrangente e com particularidades próprias da nossa população. Quando pensamos as necessidades das pessoas no geral, tirando a ótica da sexualidade, conseguimos enxergar claramente saúde, educação, saneamento básico, oportunidades profissionais e segurança como elementos essenciais para uma vida minimamente digna", finaliza.