Novembro Negro: " os negros brasileiros são uma maioria minorizada"

A expressão "minoria" que unifica grupos historicamente subjugados foi difundida pela ONU, em 1992. Apesar de ser 56% da população brasileira, os negros e negras continuam com esse status

18 nov 2022 - 10h37
A ilustração mostra um arranjo de espada de são jorge, com a imagem de uma criança negra em um espelho
A ilustração mostra um arranjo de espada de são jorge, com a imagem de uma criança negra em um espelho
Foto: Vinícius de Araújo/Alma Preta Jornalismo / Alma Preta

"Embora sejamos maioria, essa maioria é minorizada", diz a doutora em Sociologia, Givânia da Silva. Ela, que é quilombola e membro da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), afirma que o povo negro do Brasil, mesmo sendo 56% da população segundo o IBGE, é considerado uma minoria por ser negligenciado no acesso as políticas públicas, aos cargos públicos, aos espaços de decisão, à saúde, educação e moradia.

Lélia Gonzalez mobilizava exatamente este conceito, de que a população negra era uma "maioria minorizada". Ela utilizava disto para explicitar a ação sofrida pela população negra ao ser transformada em minoria social, mas afirmando, em primeira ordem, que trata-se de uma maioria. 

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"Essa expressão ou conceito de Lélia provocar o sistema e os agentes dessa ação minorizante sobre o local próprio dessa maioria: no centro das políticas e das reflexões sobre o país", destaca a professora Roberta Eugênio, coordenadora da pós-graduação em Relações Étnico-Raciais e Gênero na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Segundo o sociólogo Nildo Viana, que é contrário a utilização do termo "minoria" para grupos sub-representados, diz que a expressão voltou a ser utilizada contemporaneamente, mas não tem conotação científica. Em seus estudos, o pesquisador mostra que o resgate é uma resposta para uma necessidade intelectual e política, coisas que sempre andam juntas.

"Desde o seu surgimento, a noção de 'minorias' nunca foi muito clara e as definições muito menos. Esta noção nunca foi desenvolvida a partir de uma base teórica e por isso nunca ultrapassou esse limite. Ela sempre foi uma noção e não conseguiu se elevar ao nível de um conceito ou um construto", defende no seu artigo "O que são minorias?".

Manifestantes protestam em Brasília contra genocídio da população negra. A marcha aconteceu em 2014 | Imagem: José Cruz/Agência Brasil

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Ele explica que a ideia de minoria social se confunde com a de minoria nacional, que é descrita como sendo grupos étnicos, religiosos, que seriam minorias no interior de um determinado Estado-nação. Porém, o pesquisador traz definições de minorias sociais distintas dos apresentados pelos movimentos sociais e intelectuais negros ou LGBTQIA+. De acordo com Viana, o "problema" é que o termo ganha um caráter classificador.  

"É o uso de um o termo que classifica aqueles que se enquadram no mesmo. As minorias, segundo se pode ver através dos classificadores, são as mulheres, negros, deficientes físicos, entre inúmeros outros. As mulheres, no entanto, não são minoria no sentido quantitativo".

Já Richard Miskolci, também sociólogo, afirma que há várias formas de compreender as diferenças, sendo que as mais conhecidas "as associam às vivências de desigualdades e injustiças que caracterizam grupos socialmente marcados como inferiores, anormais ou abjetos". 

"As 'minorias' étnico-raciais, de gênero e sexuais explicitam maneiras tão diversas de vivenciar a diferença que tornam patente o fato de que, ainda que sejam mais ou menos relacionadas, cada diferença denota uma forma particular de opressão", mostra o professor no material "A Teoria Queer e a Questão das Diferenças". 

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Termo minoria e política internacional 

A expressão que unifica grupos historicamente subjugados foi difundida pela Organização das Nações Unidas (ONU) por meio da Declaração sobre os Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, instituída em 1992. No documento, a entidade afirma premissas para que pessoas marginalizadas possam exercer a cidadania e sua própria existência com dignidade.

O primeiro artigo pontua, dentre outras coisas, que as pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas têm o direito de fruir a sua própria cultura, de professar e praticar a sua própria religião, e de utilizar a sua própria língua, em privado e em público, livremente e sem interferência ou qualquer forma de discriminação. Além de participar efetivamente na vida social, econômica e pública. 

Outro ponto interessante é que as pessoas pertencentes a minorias têm o direito de participar efetivamente nas decisões adotadas a nível nacional e, sendo caso disso, a nível regional. A carta declara, também, que as políticas e programas nacionais deverão ser planeados e executados tendo devidamente em conta os interesses legítimos dessas pessoas.

Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU | Imagem: Divulgação

Minoria como conotação negativa

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Para a doutoranda em Direitos Humanos, Maíra Brito, em sendo uma minoria política, a convenção de chamar esse povo de minoria, se torna algo ruim e que gera um certo "preconceito e desprezo", afirma a especialista. 

Um profissional que defende que há uma conotação negativa para esse termo é o historiador e gestor público Andrey Lemos. Ele explica que havia um projeto de branqueamento da população brasileira nos períodos coloniais e que, institucionalmente, seguem ao longo dos anos invisibilizando as existências da negritude. 

"Epistemologias e outras contribuições, foram se consolidando uma estratégia de desumanização e negação de direitos, e para isso usam o discurso de nos chamar de minorias", salienta.

Para que a visão negativa do consenso de minorias seja vencida pela população brasileira, o gestor público considera que é preciso fortalecer as políticas de promoção da equidade racial, propor estratégias e ações com metas específicas para ampliar a presença negra dos diferentes espaços em todos os níveis de gestão, poder, participação e representação. Além de fomentar a educação, a comunicação e a cultura para atuarem transversalmente com o propósito de reduzir os efeitos do racismo e igualar oportunidades.

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Fazendo coro com os especialistas ouvidos pela Alma Preta Jornalismo, a professora Roberta Eugênio sintetiza que, além da sub-representação no poder e nas classes ricas, a articulação da ideia da população negra como minoria social se relaciona com um exercício de apagamento dessa maioria social, baseado nas práticas do racismo estrutural. 

"Somente com as cotas e as ações afirmativas a gente está começando a sair desta zona de inferioridade. Dessa forma, é preciso zelar, lutar e garantir as políticas públicas conquistadas pelo movimento negro e pela população negra do Brasil" 

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