O desafio de ser árbitra na Copa 2022

A brasileira Neuza Back e outras cinco mulheres compõem a equipe de arbitragem do Mundial no Catar

1 dez 2022 - 12h01
(atualizado em 5/12/2022 às 15h15)
Para avançar no universo do futebol masculino, elas tiveram que superar a misoginia.
Para avançar no universo do futebol masculino, elas tiveram que superar a misoginia.
Foto: Reprodução/DW

Na última vez que a brasileira Neuza Inês Back esteve no Catar para um jogo, ela fez parte da equipe de arbitragem na final do Mundial de Clubes de 2020, quando o então campeão europeu Bayern de Munique venceu o gigante mexicano Tigres por 1 a 0 em Al Rayyan.

A catarinense já atuou em jogos do Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores e Copa do Brasil, bem como na Copa do Mundo Feminina de 2019 na França. E em 2022 foi designada pela Fifa para ser assistente na Copa do Mundo no Catar. Esta será a primeira vez que mulheres apitarão jogos do mais importante torneio de futebol masculino.

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Na cerimônia de entrega de prêmios após a partida do Mundial de Clubes, o xeque Joaan bin Hamad Al Thani, da família real do Catar, bateu alegremente com os punhos nos jogadores e funcionários masculinos enquanto passavam por ele para receber suas medalhas. Mas quando Back e sua compatriota Edina Batista, que atuou como quarta árbitra, passaram por ele, Al Thani pareceu olhar para além das duas mulheres, como se não existissem.

Embora a lei islâmica proíba os homens de tocar fisicamente as mulheres fora de suas famílias imediatas, isso não os impede de serem corteses, baixando os olhos e fazendo outros gestos de respeito.

As imagens do incidente rapidamente se tornaram virais. Os organizadores insistiram que foi um "pequeno mal-entendido" relacionado aos protocolos de higiene da covid-19, mas foi interpretado pelos críticos do Catar como mais uma evidência de que o país, com suas leis rígidas, não é adequado para sediar eventos esportivos globais.

Agora, Back retornou ao Catar como uma das seis mulheres da equipe de 129 árbitros da Copa do Mundo masculina. Suas colegas assistentes são Kathryn Nesbitt (EUA) e Karen Diaz Medina (México), enquanto Stephanie Frappart (França), Yoshimi Yamashita (Japão) e Salima Mukansanga (Ruanda) atuarão como árbitras principais.

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Nesta quinta-feira (01/12), Back entrará para história como membro do primeiro trio de arbitragem composto apenas por mulheres a atuar numa partida de uma Copa do Mundo masculina. No duelo entre Alemanha e Costa Rica pelo Grupo E, a brasileira será acompanhada pela também assistente Diaz Medina e pela árbitra Frappart. A francesa será a primeira mulher a apitar um jogo de um Mundial masculino.

Até agora, Yamashita foi a que mais atuou no Catar, sendo destacada como a quarta árbitra em quatro jogos, com pelo menos mais um por vir quando o Canadá enfrentar o Marrocos, também nesta quinta-feira. Mukansanga e Frappart já atuaram em dois jogos do torneio como quarta árbitra.

Japonesa Yoshimi Yamashita será uma das três juízas em campo no Mundial do Catar
Foto: Eugene Hoshiko/Ap Photo/picture alliance

Embora a proporção de mulheres na equipe de arbitragem do torneio seja baixa, analistas dizem que a mudança é significativa, especialmente em um país como o Catar, onde as mulheres podem ser, literalmente como foi o caso de Back e Al Thani em 2020, ignoradas.

"Que isso esteja acontecendo no Catar é um mensagem forte", diz Erin Blankenship, cofundadora da Equal Playing Field, uma organização sem fins lucrativos que busca uma melhor representação feminina nos esportes.

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"Não espero que a Copa do Mundo tenha uma divisão de gênero 50/50. Mas acho que está chegando ao ponto em que não importa o gênero. Se você é bom em seu trabalho, tem todo o direito de estar em campo. Para mim, esse é o objetivo."

Bom sinal para a igualdade de gênero?

Mas nem todo mundo vê as árbitras femininas na Copa do Mundo como uma jogada positiva, com alguns torcedores, principalmente homens, zombando delas e criticando o que veem como uma invasão do espaço masculino.

Frappart apitou a final da Copa do Mundo Feminina de 2019
Foto: Seskim Photo/IMAGO

Stephanie Frappart , que estará no centro das atenções nesta quinta, é uma das que recebe mais críticas. Aos 38 anos, é uma das principais juízas de futebol da França e se tornou a primeira mulher a apitar uma final masculina da Supercopa da Uefa (Liverpool x Chelsea) em 2019, bem como um jogo masculino da Liga dos Campeões da Uefa (Juventus x Dynamo Kiev) em 2020.

Frappart está na lista de juízes internacionais da Fifa há mais de uma década e apitou jogos de alto nível, como a tensa final da Copa do Mundo Feminina de 2019, quando a seleção dos Estados Unidos, liderada por Megan Rapinoe, derrotou a da Holanda.

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Mas o sucesso de Frappart é uma faca de dois gumes. Quanto mais alto o perfil, maiores as críticas. Como as do ex-jogador francês Jerome Rothe, que até em programa de rádio desacreditou sua escolha para a Copa, dizendo que ela "não está à altura".

"Quando as pessoas dizem isso é porque pensam que as mulheres nunca serão boas o suficiente para as melhores ligas, que são os jogos masculinos", rebate Blankenship. "Mas as atletas que chegam até aqui são geralmente as mulheres preparadas para resistir e que escalaram muitas montanhas invisíveis", acrescentou.

Pressão das torcidas

Enquanto Frappart continua lutando contra o chauvinismo na França, sua colega Salima Mukansanga enfrentou diferentes desafios em Ruanda. Apesar do governo autocrático de Paul Kagame, Ruanda é um dos países com maior igualdade de gênero, com quase dois terços de seus assentos parlamentares ocupados por mulheres.

Salima Mukansanga decidiu ainda menina que queria ser juíza
Foto: Kenzo Tribouillard/AFP/Getty Images

Mas os árbitros de futebol, tanto homens quanto mulheres, ainda são os vilões para os torcedores, incluindo o próprio pai de Mukansanga, que repreendia os árbitros quando seu time perdia.

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Mas, para a jovem Salima, os donos dos cartões amarelos e vermelhos nos bolsos pareciam as figuras mais importantes do jogo. Então, quando ela completou o ensino médio, aos 15 anos, foi direto para a arbitragem, trabalhando desde nas ligas regionais de Ruanda até chegar aos torneios mais importantes do mundo. A juíza de 33 anos ganhou as manchetes no início deste ano, quando se tornou a primeira mulher a apitar dois jogos na Copa das Nações Africanas (Afcon), em Camarões.

Ela disse à DW que, antes do pontapé inicial, estava nervosa. Há uma pressão maior nos jogos masculinos, por causa dos padrões mais altos e porque ela é uma das primeiras mulheres a lidar com torneios masculinos seniores. As torcidas empolgadas pesavam sobre ela.

Mas ela venceu o medo. Enquanto o Zimbábue derrotava a Guiné, o rosto de Mukansanga era uma tela ilegível correndo pelo campo com os olhos afiados, alheios ao público atordoado ao ver uma árbitra.

Quando um atacante guineense tocou seu braço de forma paternalista para sugerir que ela reconsiderasse o cartão amarelo de um companheiro de equipe, Mukansanga murmurou: "Você também quer um?" O atacante saiu rapidamente de cena.

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Além do Catar

Ainda há vários argumentos a favor de uma melhor representação feminina nos esportes, mas, para as árbitras em início de carreira, o quadro de arbitragem no Catar é uma confirmação da importância da qualificação, diz Eva Lotta Lockner, árbitra amadora no clube alemão Hamburgo SV.

Isso significa "que temos realmente uma chance de ser selecionadas para os principais torneios masculinos se nos esforçarmos e mostrarmos ambição", acrescenta.

Mas, embora a iniciativa da Fifa seja louvável, o que vai acontecer depois da Copa do Catar é igualmente importante, diz Blankenship, e acrescenta que este deve ser um projeto de longo prazo.

"Estou entusiasmada que isto esteja acontecendo", diz. "Mas assumamos a responsabilidade pelas barreiras institucionais contra as mulheres e vamos removê-las."

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Esta reportagem havia sido publicada inicialmente em 2 de julho de 2022 e foi atualizada.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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