O PL 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, está em pauta no plenário da Câmara desta terça-feira, 30. Na semana passada, a Casa aprovou regime de urgência para a tramitação do projeto, em uma tentativa de se antecipar à pauta do Supremo Tribunal Federal, que deve apreciar a constitucionalidade do PL no dia 7 de junho. A votação será outro desafio para a articulação política de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso e acirra a oposição entre agronegócio e ambientalistas.
Para Aldo Rebelo, que foi ministro nos primeiros governos de Lula e de Dilma Roussef (PT), o governo não tem unidade sobre o assunto. "Estive em Brasília, encontrei ministros e parlamentares. Senti preocupação da parte deles e que o governo está dividido", disse. Questionado sobre o nome dos ministros com quem se reuniu, Rebelo respondeu que "foram encontros reservados". Ele afirma que uma parte do governo "acha que isso (o PL do Marco Temporal) é uma porta aberta para uma confusão".
Algumas dissidências na Esplanada já ficaram aparentes. Enquanto Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança no Clima) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) são contra o PL, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) defendeu o marco temporal durante uma entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira passada, 22.
A chamada tese do marco temporal é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição. Trata-se de uma linha de corte. Por esse entendimento, que é defendido por ruralistas, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os índígenas estavam sobre a terra requerida na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área nesta data ou chegasse depois deste dia, não teria direito a pedir sua demarcação.
A proposta desagrada a ambientalistas e defensores dos indígenas, pois poderia mudar o curso de pelo menos 303 pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares, onde vivem cerca de 197 mil indígenas. De acordo com monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.
Uma das bandeiras levantadas pelos que são favoráveis ao marco é de que ele traz segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais. "Muitos indígenas são nômades e mudam de localização. As áreas que foram, em um passado muito remoto, ocupadas por indígenas, mas abandonadas por eles, poderiam sofrer colonização por outras pessoas", diz Paulo Sérgio Aguiar, vice-presidente da da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa).
Ele cita como exemplos duas cidades do Mato Grosso - Campinápolis e Novo São Joaquim - que têm pedidos de demarcação de terras indígenas pendentes de decisão. A respeito do primeiro município, Aguiar dá mais detalhes: segundo o vice-presidente, haveria um pedido de demarcação de terras que estão dentro dos limites do município. "Se esse requerimento passar, dependendo do tamanho que tiver, vai inviabilizar a cidade; 50% vai virar terra indígena. Lá não tem indígenas. Eles estão em outras áreas, já homologadas." As duas cidades foram fundadas nos anos 1960 e 1970, respectivamente, e eram habitadas por povos originários xavantes.
Lucas Beber, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), compartilha da mesma perspectiva. Para ele, se o marco temporal não for aprovado, "seria um caos não só para a soja, mas um caos social total. Há famílias vivendo nessas terras, que podem ser afetadas". Ele também cita uma cidade mato-grossense como exemplo. Segundo Beber, Sorriso poderia perder metade do seu território. "A Constituição já estabelece um marco temporal. Não significa que novas áreas não possam ser demarcadas, mas isso deve ser dentro do que prevê a Constituição", afirma.
Articulações em São Paulo
Em São Paulo, o secretário de Justiça e Cidadania, Fábio Prieto de Souza, enviou um ofício para o governador, Tarcísio de Fritas (Republicanos), com um apelo para que ele se articule a favor da tese do marco temporal. "Nenhuma terra - urbana ou rural - estará a salvo da alegação de que, um dia, há séculos, terá sido ocupada por comunidades indígenas e, portanto, a propriedade não será mais dos brasileiros, mas da União que deve servi-los", diz o documento.
O fundamento usado por Pietro é de que, quando foi juiz federal, esteve à frente de casos em que "cidadãos pediam a usucapião de imóveis - na expressiva maioria dos casos, construções ou terrenos modestos" e "a União tentou intervir sob o argumento de que os imóveis estavam encravados em áreas vinculadas a antigos aldeamentos indígenas extintos, o que era - e é - exato". Ele se refere ao gesto como uma manobra para que a União detenha a propriedade de terras sob o pretexto da demarcação.
STF retoma julgamento do PL do marco temporal
O julgamento do STF tem caráter de repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para casos similares em todo o País. O caso específico que suscitou o debate envolve a Reserva Indígena de Ibirama-La Klanõ, sob tutela dos povos Xokleng, Kaigang e Guarani, mas que é reivindicada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina.
O julgamento do marco temporal começou em agosto de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O placar está em 1 a 1.
O relator da ação é o ministro Edson Fachin, que se posionou contra a tese do marco temporal. Em seu voto, o ministro afirmou que "a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas".
Já o ministro Kassio Nunes Marques divergiu do relator e se manifestou pela aplicação do marco. Segundo ele, reconhecer pedidos de posse posteriores à data de promulgação da Constituição "implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário".
O STF vai retomar o julgamento sobre a tese do marco temporal no dia 7 de junho. O retorno do tema à discussão no plenário do STF foi anunciado em abril pela presidente da Corte, a ministra Rosa Weber.