O que explica alta de quase 90% na população indígena registrada pelo Censo 2022

População indígena representa 0,83% da população brasileira, que superou 203 milhões de pessoas, aponta IBGE.

7 ago 2023 - 10h09
(atualizado às 11h02)
Mulheres indígenas com roupas tradicionais
Mulheres indígenas com roupas tradicionais
Foto: AFP via Getty Images / BBC News Brasil

Os indígenas no Brasil são hoje mais de 1,69 milhão de pessoas, segundo dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados nesta segunda (7/8). Esse total representa 0,83% do total da população brasileira.

Os números mostram um grande aumento em relação aos dados do último Censo, em 2010, quando a população indígena era de 896,9 mil e representava 0,47% do total da população.

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O crescimento de 88,8% na população indígena registrada é em parte explicado por uma mudança na metodologia do IBGE. Em 2022, o Censo encontrou mais terras indígenas do que em 2010 e passou a fazer uma pergunta a mais para as pessoas entrevistadas em certas localidades.

A identificação de indígenas no Censo normalmente acontece quando alguém responde "indígena" à pergunta "qual é sua cor?". No entanto, o IBGE notou que muitas pessoas com ascendência indígena respondiam que sua cor é "parda". Por isso, em 2022, os recenseadores passaram a fazer a pergunta "você se considera indígena?" à lista de perguntas em locais que não são oficialmente terras indígenas, mas onde se sabe que há presença de povos originários.

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Foto: BBC News Brasil

Isso fez com que o Censo captasse muito mais pessoas que se consideram indígenas, segundo o IBGE.

"Essa diferença acontece porque as pessoas olham muito para a cor da pele quando essa pergunta (qual é sua cor?) é feita. Mas quando você faz a pergunta a mais (se a pessoa se considera indígena), isso abre para uma série de outros critérios de etnia que a pergunta sobre cor não responde", afirma Tiago Moreira, pesquisador do ISA (Instituto Socioambiental), que ajudou o IBGE na formação da metodologia para o Censo.

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Ou seja, muitas pessoas reconhecem sua ancestralidade indígena muito mais através de sua herança cultural do que através da cor da pele.

"A pergunta remete à ascendência indígena, diferente da pergunta sobre a cor, que existe em um contexto mais restrito. Muitas vezes as pessoas são descendentes, até militam no movimento indígena, mas respondem pardo para a cor da pele", afirma Moreira.

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Segundo Moreira, a pergunta "qual é sua cor" gera confusão e não é muito boa para captar a etnia das pessoas, mas ela é mantida por um motivo importante — a possibilidade de fazer comparação histórica precisa com censos anteriores, que já a usavam.

Mudanças limitam a possibilidade de comparação de um ano com o outro — a inclusão da pergunta sobre os indígenas em 2022 também limita a comparação com 2010 devido ao aumento na detecção da população indígenas gerado pela mudança de metodologia.

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No entanto, o acréscimo da pergunta, sozinho, não explica a magnitude do aumento da população indígena, segundo os especialistas.

Indígenas estão presentes no Brasil todo, com maior concentração na região norte
Foto: BBC News Brasil

Recuperação da identidade

Para entender detalhadamente esse aumento, diz Moreira, são necessários os dados sobre natalidade e mortalidade indígena — que ainda não foram divulgados pelo IBGE.

No entanto, ao menos parte desse aumento pode ser atribuído a um grande movimento de recuperação da identidade indígena, que tem se fortalecido nos últimos anos.

"A gente tem um movimento antigo de recuperação dessa identidade, dos descendentes dos povos originários voltarem a se reconhecer, a prestar atenção nessa identidade, nessa ancestralidade", diz Moreira.

"O movimento indígena cresceu muito, tem inovado nas estratégias de mobilização. Nenhum outro movimento social no Brasil é tão capilar, consegue ter uma mobilização tão grande na base social."

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O pesquisador afirma que o movimento conseguiu manter sua força apesar das dificuldades enfrentadas por essa população nos quatro anos de governo Bolsonaro, abertamente contrário à pauta dos povos originários.

"Apesar dos quatro anos de ataque aos direitos, a atuação do movimento indígena teve o efeito de produzir segurança para que a população recupere essa identidade", diz Moreira.

Outros elementos que podem explicar esse aumento só ficarão claros com os dados de natalidade e mortalidade, explica o especialista.

"A população indígena é o grupo social que mais cresce, que tem fecundidade alta. E isso está refletido nesse dado (de aumento da população)", diz ele.

No entanto, dentro das terras indígenas, essa população parece estar crescendo menos do que crescia antes — algo que precisa ser confirmado pelos próximos dados divulgados pelo IBGE.

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Isso, segundo Moreira, pode ser resultado dos efeitos devastadores da covid dentro das terras indígenas. Segundo estudos epidemiológicos feitos pela Fiocruz, os indígenas foram um dos grupos mais vulneráveis durante a pandemia.

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Foto: BBC News Brasil

"Com a divulgação dos dados completos do Censo é que vamos entender melhor os efeitos demográficos da covid tanto na população indígena quanto na população geral", afirma Tiago Moreira.

Ainda não há um calendário fechado para a divulgação dos próximos dados do Censo 2022, que começaram a ser divulgados no final de julho.

O Censo foi feito com atraso por causa da pandemia e de cortes orçamentários. A última edição da pesquisa censitária do IBGE havia sido feita em 2010 e, pela lei, ela não poderia demorar mais de 10 anos para ser feita — ou seja, deveria ter ocorrido em 2020. Mas a nova edição só foi realizada entre 1º de agosto de 2022 e 28 de maio de 2023 (fase de coleta e apuração de dados).

Revelações do Censo

Os dados do Censo 2022 divulgados nesta segunda trouxeram outras informações importantes sobre a população indígena.

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A terra indígena com maior número de pessoas indígenas hoje é a Terra Indígena Yanomami (AM/RR), com 27 mil pessoas, o equivalente a 4,36% do total de indígenas em terras indígenas no país. O segundo maior número é na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 habitantes indígenas.

Gráfico mostrando os 5 estados com mais indígenas
Foto: BBC News Brasil

No entanto, o Censo mostrou que a maior parte dos indígenas do Brasil — cerca de 63% — vive hoje fora dos territórios indígenas oficialmente limitados. Isso mostra que o atendimento específico aos indígenas não pode ficar restrito aos territórios delimitados, segundo Moreira.

"São dados muito importantes para planejamento de políticas públicas, para se ampliar o atendimento especial que leve em consideração as línguas, os valores e as necessidades de cada povo", diz o pesquisador.

Outro dado que chama atenção é que, embora cinco estados (AM, BA, MS, PE, RR) concentrem 61,43% da população indígenas (veja gráfico acima), o IBGE registrou presença indígena na maioria dos municípios do Brasil — em 4.480 dos 5.568 municípios do país.

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O município com maior número de pessoas indígenas em 2022 foi Manaus (AM), com 71,7 mil pessoas.

Já a maior proporção ficou em cidades como Uiramutã (RR), onde 96,6% dos habitantes são indígenas; Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,2%, e São Gabriel da Cachoeira, com 93,17%.

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