"É uma demonstração de racismo estrutural", diz padre Julio LancellottiApós a divulgação de imagens de um homem negro com mãos e pés amarrados com cordas sendo carregado por policiais em uma posição que lembra o "pau de arara", a Polícia Militar de São Paulo disse nesta terça-feira (06/06) que afastou os dois agentes vistos envolvidos na ação.
O fato ocorreu na madrugada de domingo para segunda-feira em São Paulo e um inquérito foi aberto para apurar a conduta dos policiais. Um dos primeiros a divulgar o vídeo foi o padre Julio Lancellotti, que é ativo em causas sociais no centro da capital paulista.
"É uma demonstração de racismo estrutural. O que ele fez não justifica esse tipo de tratamento. Isso mostra uma aporofobia [aversão e desprezo aos pobres] e pobrefobia. A PM tem técnicas de imobilização e isso não deve ser feito de forma violenta. Não se pode justificar com 'ah, mas ele tentou roubar'", disse o padre.
O que ocorreu
De acordo com um boletim de ocorrência, no fim da noite de domingo, no bairro Vila Mariana, na capital paulista, o funcionário de uma loja de conveniências teria acionado a polícia após três pessoas furtarem alimentos e bebidas. O funcionário descreveu a roupa dos três homens e para onde eles teriam corrido.
Nas buscas feitas pelos policiais, um homem de 32 anos teria sido encontrado com duas caixas de chocolate, no valor avaliado em cerca de R$ 30, e confessado aos agentes, informalmente, o furto. Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, ele teria resistido à polícia, ameaçado fugir e até a pegar uma arma, motivos pelos quais teria sido amarrado com cordas.
Os agentes pediram o reforço de outra viatura. No total, quatro policiais participaram da ação.
O que diz a PM
A Polícia Militar de São Paulo se pronunciou através de nota, afirmando que a conduta dos agentes não é compatível com o treinamento e valores da instituição. Além disso, informou que um inquérito foi aberto para apurar a conduta dos agentes e que afastou dois deles das atividades operacionais.
De acordo com a PM, o homem amarrado foi preso em flagrante por furto. Outro homem, de 38 anos, também foi preso e um adolescente, de 15 anos, apreendido. Eles estariam vestindo roupas semelhantes às descritas pelo funcionário da loja de conveniências e teriam sido presos em flagrante. O homem de 38 anos teria admitido ter furtado dois pacotes de café e os revendido.
Onde o vídeo foi feito
O video divulgado nas redes sociais foi gravado por uma testemunha na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Vila Mariana, para onde o homem amarrado foi levado para atendimento, assim como o outro homem detido e o adolescente apreendido.
A testemunha que gravou o video disse ao portal Metrópoles que questionou a violência usada pelos policiais e foi levado pelos PMs para a delegacia.
Ele tem 32 anos e disse ter ficado "inconformado com a forma que estavam tratando o cidadão". A testemunha relatou ter sido intimidada pelos policiais e que o homem amarrado gritava de dor.
Segundo ele, o homem ficou ao menos três horas amarrado, até o delegado chamá-lo para coletar seu depoimento.
Repercussão
A deputada Tábata Amaral (PSB - SP) chamou o caso de "barbárie" e disse que acionará a corregedoria da Polícia Militar. Segundo ela, é inadimissível que isso ocorra na maior cidade da América Latina.
O deputado Orlando Silva (PCdoB - SP) classificou o fato como "inadmissível".
"Um homem negro é amarrado pelas mãos e pelos pés e carregado, como se fosse uma presa, por marginais fardados. É o racismo institucionalizado, é a barbárie promovida pelas mãos do Estado. Exigiremos identificação e punição exemplar à PM-SP", escreveu no Twitter.
Após o vídeo viralizar, especialistas disseram que haveria outras formas de imobilizar o homem acusado de furto, já que os policiais estavam em maior número e, em último caso, poderiam ter algemado ele pelas pernas.