Trinta e cinco votos a favor e quinze contra. Com esse placar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que acaba com o aborto legal no Brasil foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. No país, a interrupção da gravidez é autorizada nos casos em que há risco de vida para a gestante, fetos anencéfalos ou gravidez após violência sexual.
Não é uma mudança definitiva. Para alterar o texto do artigo 5º da Constituição, a proposta terá que ser analisada por uma comissão especial, depois votada em plenário e posteriormente remetida ao Senado para nova votação. No entanto, com a atual formação do Congresso, não dá para duvidar de mais nada.
Mas só pelo fato deste assunto ser trazido de volta já é um assombro. Vamos relembrar. Em junho desse ano, houve uma mobilização da sociedade para frear um projeto de lei, conhecido por ‘PL do estuprador’, que estabelecia uma pena maior de prisão à mulher que fizesse aborto do que ao próprio estuprador.
Depois de uma enxurrada de críticas pelo absurdo da proposta, mais interessada em punir mulheres do que criminosos, a sociedade é surpreendida agora por um novo ataque aos direitos fundamentais. A sensação é de que não se pode nem piscar que lá vem outra bomba.
Desta vez, os parlamentares decidiram ressuscitar uma PEC de 2012, de autoria de Eduardo Cunha, aquele mesmo que conduziu o impeachment de Dilma Rousseff e que depois foi preso pela Lava Jato. Com uma canetada, a proposta acaba com direitos previstos em lei desde 1940. Isso mesmo, direitos garantidos há quase 1 século.
Ao que parece, os congressistas estão mais preocupados em engendrar maneiras de trazer mais sofrimento às vítimas de estupro e mulheres que podem perder a vida por causa de uma gestação de risco do que em contribuir com temas que tragam alguma melhoria na vida dos brasileiros.
A nova PEC, assim como o PL anterior, parece um diversionismo para tirar atenção do que realmente importa. Em que medida, uma proposta assim vai beneficiar um conjunto de brasileiros? Vai corrigir injustiças sociais, melhorar a economia, gerar emprego, aumentar salário, garantir melhor atendimento de saúde ou educação? Nada disso bem à reboque da PEC.
Mas a consequência mais imediata da proposta é colocar mais vidas em risco. Como, por exemplo, a daquela criança estuprada pelo pai ou padrasto, dentro de casa e cujo corpo não está preparado para uma gravidez . Mas para os deputados que votaram a favor da PEC, essa menina será obrigada a seguir com a gestação de seu agressor, mesmo que sua vida corra risco.
Sempre é bom recorrer aos números do Fórum de Segurança para ter a dimensão da tragédia que os parlamentares insistem em promover. Pelos dados do anuário de 2024, acontece 1 estupro a cada 6 minutos no Brasil. A grande maioria das vítimas, quase 62% , têm até 13 anos. Os agressores dessas vítimas com até 13 anos são quase sempre familiares, (64% dos casos) e conhecidos (22.4%). Para as meninas que são vítimas, não bastasse a violência a que foram submetidas, sem poder se defender, os parlamentares querem acrescentar uma camada extra de sofrimento. Querem obrigá-las a carregar o fruto de um trauma, mesmo que elas possam perder a vida com isso.
Do grupo dos 35 parlamentares, a maior parte é do PL de Jair Bolsonaro, indiciado pela Polícia Federal por suspeita de tramar um golpe de estado. Inclusive no grupo da CCJ, está o Delegado Ramagem, outro indiciado pela PF pela mesma tentativa de golpe.
Mas há também 7 mulheres parlamentares no grupo. São elas: Chris Tonietto (PL-RJ), a relatora da PEC, Caroline de Toni (PL-SC), Fernanda Pessôa (União-CE), Dani Cunha (União-RJ),Simone Marquetto (MDB-SP), Delegada Katarina (PSD-SE) e Coronel Fernanda (PL-MT). Curiosamente, esta última parlamentar vem do estado que tem a cidade com maior taxa de estupro no Brasil, segundo o Anuário de Segurança. A cidade chama-se Sorriso. O nome acrescenta mais uma pitada do surrealismo que, tristemente, tem habitado este Congresso Nacional.