No dia 27 de fevereiro deste ano, o pedreiro Daniel de Melo Correia, de 31 anos, espancou até a morte a mãe, uma idosa de 70 anos com quem morava, no setor Leste Universitário de Goiânia, capital de Goiás. Ele disse aos vizinhos que a mãe havia caído e batido a cabeça, mas a perícia constatou lesões decorrentes do espancamento. Com histórico de agressões anteriores, Correia teve a prisão decretada e cumprida nesta terça-feira, 28, tornando-se um dos quase 10 mil homens presos em todo o país na Operação Átria, a maior já realizada para combater a violência contra a mulher.
A operação, lançada dia 27 de fevereiro e realizada durante o mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, foi coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e mobilizou as forças policiais das secretarias de segurança pública de todos os Estados e do Distrito Federal. As ações visavam à busca de suspeitos de feminicídio, ameaça, lesão corporal, estupro, importunação, perseguição (stalking), descumprimento de medidas protetivas, entre outros crimes.
No caso de Daniel, a investigação apurou que ele era dependente químico e, na véspera do assassinato, pressionava a mãe aposentada para que lhe desse R$ 200 para o pagamento de drogas. Desesperada, ela tentou pegar o dinheiro emprestado com vizinhos, sem sucesso. A perícia mostrou que a idosa, com quem o suspeito morava sozinho, tinha várias lesões pelo corpo em razão de agressões anteriores. Denunciado por feminicídio, Correia não contratou advogado e, procurada, a Defensoria Pública do Estado não se manifestou.
Em 30 dias, foram apuradas 17.480 denúncias de violências como essa feitas por diversos canais – municipais, estaduais e federais – e lavradas 6.702 prisões em flagrante. Foram cumpridos ainda 2.639 mandados de prisão e atendidos 37.965 pedidos de medidas protetivas de urgência. As diligências policiais foram realizadas em 3.643 municípios. Em Presidente Dutra, no Maranhão, um homem foi preso em flagrante agredindo a esposa com um martelo.
No Amazonas, 98 homens foram presos em flagrante por violência doméstica – seis por feminicídio. Conforme a delegada Débora Mafra, da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher de Manaus, foram abertos 446 inquéritos na capital e no interior do Estado. “A operação se encerra, mas o trabalho das Delegacias da Mulher, em conjunto com a Ronda Maria da Penha, irá continuar para que mais mulheres saiam desse ciclo de violência”, disse.
Em Maceió, a operação prendeu em flagrante por tentativa de feminicídio e lesões corporais um homem de 31 anos que esfaqueou a esposa, no bairro Feitosa, e o patrão dela, que tentou intervir. No Mato Grosso, além da prisão de 322 pessoas por crimes sexuais e violência doméstica, a operação resgatou 63 vítimas em situação de maus-tratos e cárcere privado. Uma delas, colombiana, foi encaminhada de volta ao seu país. Outras 33 vítimas pediram às equipes a retirada de seus pertences de casa e foram encaminhadas para acolhimento.
No Distrito Federal, entre os presos está um homem de 38 anos que estuprou duas vezes uma mulher que ele encontrou desmaiada sob a marquise de um comércio, em Ceilândia. O estuprador viu a vítima deitada no chão, abaixou suas roupas e a violentou.
Após sair do local, ele voltou à cena do crime e, vendo que a mulher continuava desacordada, a estuprou mais uma vez. O homem foi preso pela Polícia Militar. A vítima, de 56 anos, foi encaminhada ao Hospital Regional de Ceilândia. Aos policiais, ela disse que morava próxima do local e, após ingerir bebida alcoólica, saiu de casa e passou mal, só se dando conta do estupro no hospital.
Em Regente Feijó, no interior de São Paulo, um aposentado de 62 anos, foi preso, acusado de ter matado a professora Eliana Pereira Neves, de 52, e ateado fogo ao carro dela com o corpo no porta-malas, na última terça-feira, 28. O suspeito foi visto no carro com a mulher. Ao ser abordado, ele tinha marcas de queimaduras no braço e acabou confessando que esteve com ela no dia do crime. Na residência dele, a polícia localizou uma medida protetiva expedida por um juiz da capital que o proibia de manter contato com a ex-esposa – ele havia se mudado para o interior há cerca de um mês.
O idoso foi indiciado por feminicídio e ocultação de cadáver. Ele passou por audiência de custódia na manhã desta quinta-feira, 30, e permaneceu preso. Uma prima da vítima que pediu para não ser identificada disse que o crime chocou a família.
Segundo ela, Eliana trabalhava há mais de 30 anos na rede municipal de ensino da cidade e há 21 lecionava em uma escola infantil. “Ela conhecia esse homem desde pequena, mas ele foi embora para São Paulo e voltou há pouco tempo. Eles estavam se encontrando, se conhecendo. Não dá para entender como ele foi fazer essa maldade com ela”, disse. A professora deixou duas filhas.
Outras operações serão deflagradas, diz ministério
O Ministério da Justiça investiu mais de R$ 1 milhão no pagamento de diárias aos policiais que atuaram na operação em ações fora das cidades de origem, o que possibilitou ampliar o alcance das ações até cidades menores.
Conforme a pasta, outras operações de combate à violência contra a mulher serão deflagradas este ano. “Os indicadores nos obrigam a ter, na política pública de segurança do país, uma centralidade no enfrentamento da violência contra a mulher e vamos investir cada vez mais nestas operações integradas”, disse o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar.
Além da repressão aos crimes, a operação também realizou atividades educativas objetivando a prevenção de novos casos. Foram 4.165 ações, entre palestras e oficinas realizadas pelas polícias em escolas, faculdades, shoppings, feiras e empresas privadas. Em Biguaçu (SC), policiais militares foram ao comércio para orientar as mulheres sobre medidas preventivas, como a letra X na mão indicando risco de violência.
Em Sorocaba, foram atendidas 830 mulheres em situação de violência e ações de conscientização foram levadas às escolas. A delegada Alessandra Reis dos Santos Silveira, da Delegacia da Mulher de Sorocaba, disse que essas ações conjuntas são importantes. “Na medida em que a população tem ciência de que está presenciando um fato de agressão, ela denuncia e pede ajuda para aquela mulher. Assim se forma uma rede de proteção”, disse.
Como denunciar
As denúncias de violência contra a mulher podem ser feitas pelo número 180, que atende em todo o território nacional 24 horas por dia. Também é possível fazer denúncias pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
No site está disponível o atendimento por chat com libras. Em casos urgentes de violência contra a mulher, os números 197 da Polícia Civil e 190 da Polícia Militar também atendem 24 horas por dia.
O nome Átria da operação faz referência à estrela que se destaca na constelação Triângulo Austral, do hemisfério sul estelar, em alusão a retirar a mulher da condição de vítima e colocá-la em evidência.