Exatamente no mês da mulher negra, latino-americana e caribenha, quando geralmente a cisgeneridade estampa as principais ações, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) passa a contar com uma coluna em um dos maiores portais de mídia do Brasil. E não mais como uma instituição que é consultada apenas para emitir opiniões ou reagir à transfobia quando um caso vem a público, mas para efetivamente garantir a produção de contranarrativas capazes de fazer frente à violência que vem sendo propagada nas redes sociais com impacto real na vida cotidiana das pessoas trans.
Esta é a primeira vez que um grande veículo garante o protagonismo da narrativa de pessoas trans organizadas e mobilizadas a partir de uma instituição social da luta popular. É uma grande oportunidade para que pensadores, ativistas, pesquisadores, figuras públicas e influenciadores trans possam ter um espaço para a produção de uma memória pública que vem sendo constituída ao longo dos últimos 31 anos desde a fundação desse mesmo movimento, que tem alcançado conquistas importantes para a população trans brasileira.
O movimento trans brasileiro, fundado em 1992 no Rio de Janeiro, é um dos mais organizados e potentes, e a ANTRA surge como pioneira na mobilização e organização coletiva de pessoas trans em busca de cidadania, direitos e cidadanização a partir da derrubada de mitos, estigmas e tabus sobre travestis e demais identidades de nossa comunidade, mas também como referência para a consulta sobre determinados pontos tidos como “polêmicos”, mas que tratam sobre vidas que precisam de uma maior atenção e proteção.
Não tem sido uma caminhada fácil em meio as fakenews, pânico antitrans e narrativas que pretendem criminalizar essas existências. Nos últimos anos, temos visto o agravamento do uso político da transfobia como instrumento central de mobilização de forças antigênero e antitrans no cenário global, com severos retrocessos em direitos alcançados, fortalecimento de uma agenda que pretende institucionalizar a transfobia, criar separações entre mulheres cis e trans e criminalizar acesso a cuidados em saúde e/ou a espaços segregados por gênero de acordo com a identidade autodeclarada de cada pessoa – incluso pessoas cis.
Diante disso, consideramos ser de extrema importância que tenhamos responsabilidade no consumo de informações, compartilhamento e apoio a determinadas falas e afirmações da internet. Porque, ao contrário de pessoas cis, pessoas trans não têm o mesmo capital social para reposicionar uma imagem positiva tão facilmente.
E é exatamente por isso que seguiremos firmes na busca por dias melhores e, a partir de agora, com esse espaço no Terra NÓS, teremos a chance de dar um passo adiante. Acompanhem semanalmente essa coluna e não deixem de enviar feedbacks para que possamos seguir nos fortalecendo cada vez enquanto coletivo. Agradecemos a todes que contribuíram para essa conquista e que seguirão conosco de agora em diante.
Fortalecer as ações da ANTRA representa, acima de tudo, a possibilidade de uma resposta cada vez mais efetiva diante da situação geral em que pessoas trans têm sido expostas.
*Keila Simpson é Presidenta da ANTRA e a 1ª Travesti Doutora Honoris Causa do Brasil - @keilasimpsonsousa e @antra.oficial.
*Bruna Benevides é autora do Dossiê sobre violência contra pessoas trans no Brasil e Secretária de Articulação Política da ANTRA - @bruna.benevidex.