Não preciso de peito, preciso de respeito – e isso é um direito, não só uma demanda

Fiz a mamoplastia masculinizadora em 2019. Não consigo explicar a explosão de alegria que é me ver diante do espelho como eu queria me ver

29 ago 2023 - 05h00
(atualizado em 26/10/2023 às 09h25)
As pessoas entendem perfeitamente o quão invasivo e violento é resolver dizer ao outro o que ele deve, pode ou deveria fazer com seu corpo
As pessoas entendem perfeitamente o quão invasivo e violento é resolver dizer ao outro o que ele deve, pode ou deveria fazer com seu corpo
Foto: iStock/west

Eu tenho uma irmã cisgênero. Duas, na verdade. Duas irmãs e ambas cis.Uma delas resolveu fazer uma cirurgia para colocar silicone. Para se sentir melhor com seu corpo. Família e amigos com aquela coisa de "você é perfeita e não precisa mudar nada, maravilhosa, diva, dublê da Barbie", essas coisas. Minha irmã sorria, agradecia e não discutia.

Para ela, por mais que fossem queridas e "quisessem o bem" dela, essas pessoas desrespeitavam seu direito de mexer no seu corpo para que ela se sentisse mais feliz com ele. Ela ficava chateada, um pouco magoada, mas deixava para lá. Foi lá e fez a cirurgia. Opinião dos outros era invasiva e desrespeitosa, e ela ia fazer o que quisesse. Quando o pós-operatório acabou, o mundo voltou a lhe fazer elogios. Diva, perfeita, maravilhosa, dublê da Barbie com upgrade, como pode ser assim tão mais linda, quanta coragem!

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A cisgeneridade entende perfeitamente o quanto é invasivo você dizer ao outro o que ele deve, pode ou deveria fazer com seu corpo. Entende. Recebe o golpe quando é consigo. Cada plástica, cada tatuagem, cada injeção de botox, cada alteração que se escolha fazer, a cisgeneridade ouve críticas, opiniões não pedidas e até é alvo de gestos absolutamente invasivos sobre si (gente querendo tocar sua tatuagem, seu silicone, seu implante capilar e por aí vai, vocês sabem do que eu estou falando).

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Mas saber e sentir na pele não vai mudando ou extinguindo esse comportamento. Povo violento e invasivo permanece violento e invasivo. Chama outras pessoas a serem violentas e invasivas: "Viu só o que ela faz com ela? Daqui a pouco a gente nem reconhece mais...tudo bem que não era bonita, mas beleza não é tudo na vida, né?".

Eu fiz a mamoplastia masculinizadora em 2019. Já era um sujeito barbudinho de testosterona. Não consigo explicar a explosão de alegria que eu tive. Desde a cirurgia eu dou risadas ainda maiores e mais deliciosas. Com uma facilidade impressionante. Ver-me diante do espelho como eu queria me ver é algo que não tem explicação, deixa a felicidade solta aqui dentro como cachorro correndo livre no gramado.

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Só minha família me chamou de divo, perfeito e maravilhoso. Sorriu comigo. Alguns amigos também. O eco de gente a dizer "você vai se arrepender um dia; você é demente; o inferno te aguarda; você deveria ter morrido na mesa; quero ver berrar feito mulherzinha quando apanhar na rua" e outras agressões desse tipo que a internet traz eu levei para terapia e para fora da minha vida. Eu tive a possibilidade de ter suporte familiar e profissional para não deixar isso entristecer, me desespera e apagar a minha alegria de ser eu. Não desejo isso a ninguém. Nem trans, nem cis. 

A cisgeneridade – melhor – AS PESSOAS entendem perfeitamente o quão invasivo e violento é resolver dizer ao outro o que ele deve, pode ou deveria fazer com seu corpo. As pessoas também entendem que precisam ser respeitadas. Que isso é um direito, como o direito de ser quem se é. Que direitos não são pedidos. São respeitados.

Apenas respeito aos nossos direitos.

Com a gente, pessoas trans, não é nada diferente. 

Ao menos não deveria. 

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Fonte: Redação Nós
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