Novamente vimos acontecer mais um conjunto de cenas que não são novas nas vidas de pessoas trans. Contudo, o fato de que, ano após ano, elas seguem ocorrendo chama atenção e faz necessário voltar a falar delas. Estou falando de um caso envolvendo uso de banheiros por pessoas trans na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A UERJ é reconhecida como um dos primeiros espaços do Brasil a fazer debates sobre políticas de cotas e também segue sendo casa de diferentes coletivos que lutam por justiça social e todos os dias tentam construir mundos mais possíveis para todes. Contudo, como todo espaço público e coletivo, a universidade também é palco de disputas entre diferentes perspectivas de mundo e, apesar de contar com um número crescente de estudantes trans, o acesso ao direito de usar o banheiro entrou novamente em debate.
Depois de alguns acontecimentos de transfobia com relação ao uso do banheiro feminino, o Centro Acadêmico organizou uma oficina de cartazes antitransfobia e colou nos banheiros e corredores. Tal ato, que demonstra um importante acolhimento para todas as pessoas trans da universidade, foi visto como oportunidade de polemização por uma conhecida militante antitrans que optou por, em meio a um infundado barulho com argumentos vagos, abrir um boletim de ocorrência contra as pessoas jovens que mobilizam o movimento estudantil de serviço social.
Conhecendo minimamente sobre processualidade penal, é sabido que a denúncia muito provavelmente nem sequer vai ser acolhida por falta de materialidade, contudo, o que diz o uso da criminalização contra jovens estudantes apenas por defenderem pessoas trans?
Esse aparato, vamos deixar claro, não é novo. Pessoas trans são criminalizadas em todo o percurso da história ocidental. Mas, no caso da UERJ, chama atenção a arrogância de crer que acionar a justiça penal seria a garantia de supostos direitos ameaçados por pessoas trans apenas por existirem em instituições como pares (e como todas as pessoas estudantes, com direito a usar o banheiro quando tiver necessidade).
É perigoso esse fantasma de que pessoas trans, apenas por estarem vivas, ameaçam. Também é perigoso certo uso sensacionalista de casos envolvendo pessoas trans que falsas defensoras de direitos humanos tentam fazer às custas de perseguição de grupos minorizados.
Quando falamos sobre uso de banheiros, muito longe das teorias de conspiração de conservadores, falamos literalmente sobre usar o banheiro. Poder fazer xixi em meio às muitas horas que passamos numa instituição de ensino, no trabalho, seja onde for. Impedir pessoas trans da possibilidade de fazer uso do banheiro se assemelha a essas pequenas crueldades cisnormativas que a todo custo tentam se naturalizar na cultura e que, junto com cenas de humilhação, beiram o exercício de tortura psicológica.
Mas há algo que as militâncias antitrans não conseguem engolir: apesar de tudo, estamos aos poucos cada vez mais nos espaços. Não como pessoas exóticas estrangeiras, mas como pares. O que provoca ainda mais a ira dessas militantes do ódio é perceber que, ao estarmos cada vez mais nos espaços institucionais, conseguimos ir compondo alianças, redes de afeto, reconhecimento e amizade. O que não foi suportável pela militância do ódio foi perceber que, na UERJ, o movimento estudantil se colocou como defensor dos direitos trans, pautando que aquele lugar é também nosso e que a violência transfóbica é inadmissível.
E para nós, pessoas trans já um pouco mais velhas, perceber tais movimentações coletivas de cuidado, defesa e reconhecimento que provocam inclusive o ressentimento das "militâncias" que nos querem mortas é um exercício de esperança.
Esperança de que logo mais elas e eles, tão certes de sua divina cisgeneridade, passarão. E nós seguiremos cada vez mais aqui e em cada vez maior número.