O Setembro Amarelo e a transfobia imaginária

Afinal de contas, tenho o direito de viver o luto como qualquer outra pessoa ou isso é proibido para as pessoas trans?

29 set 2023 - 15h26
(atualizado em 26/10/2023 às 09h07)
Pode uma travesti/pessoa trans chorar? Pode uma travesti/pessoa trans amar? Podem pessoas trans serem ou se sentirem frágeis? 
Pode uma travesti/pessoa trans chorar? Pode uma travesti/pessoa trans amar? Podem pessoas trans serem ou se sentirem frágeis?
Foto: iStock/Vladimir Vladimirov

O caos tem sido uma constância em minha vida. As dores transcorrem em meu rosto em meio as lágrimas que a ausência física pelo falecimento inesperado de meu pai biológico causam. Uma dor decorrente dessa situação delicada que trouxes experiências negativas nos últimos dias.

Essa dor também vem da negação do afeto e da dor da saudade física. Frases e atitudes clichês como "infelizmente, foi a hora", "não chora " e "já foi" trazem a sensação de que me é permitido ter sentimentos ou que tenho ser forte a todo momento.

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Navegando para o campo das ideias, é literalmente como se meu sentimento não fosse legítimo. Como se a realidade não permita a humanidade das pessoas trans. Esse pensamento da negação, do não poder viver meu sentimentos, surge dessa transfobia vivida no imaginário da cisgeneridade, onde nosso afeto é uma bobeira. Essa mesma crueldade refletida na falta de debate de um diagnóstico de intervenção no adoecimento psicossocial que pessoas trans passam diariamente, na negação de acesso e direitos básicos, bem como o direito ao banheiro, ampliação de uma agenda política pública efetiva de qualidade de vida para as pessoas trans, que ainda seguem na via social exclusão.

O Setembro Amarelo é imprescindível para expurgar as nossas dores, mas muita cautela, pois para o ideal cisgeneridade branca não podemos sentir. Nós, pessoas trans, temos que abstrair e seguir. A crueldade cisgênera nos cala e violenta.

Como já mencionado, um momento tão triste aqui exposto publicamente para tecer reflexões diante um mês voltado a pensar a saúde mental das pessoas, mas "quais pessoas"? Isso porque, enquanto uma pessoa cuja humanidade é retirada compulsoriamente, pergunto se é possível para uma travesti preta vivenciar seu luto. Tenho direito ao choro? Afinal de contas, tenho o direito de viver o luto bem como qualquer tipo de sentimento humano? 

Se o Setembro Amarelo traz a perspectiva de aprofundamento da saúde mental e da prevenção ao suicídio, o caso acima citado demostra com contundência como a teoria e prática não andam lado a lado.

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De sangue quente continuo a derramar lágrimas, e ainda assim escuto que meu choro é inútil. Acredito, sim, que chorar não irá trazer meu pai de volta, mas acho importante colocar para fora o que sinto e não somatizar e nem me adoecer futuramente. Se faz necessário a pergunta que trago aqui: pode uma travesti/pessoa trans chorar? Pode uma travesti/pessoa trans amar? Podem pessoas trans serem ou se sentirem frágeis? 

É nessa dialética que temos que resguardar a nossa sanidade mental! 

Ampliando assim o debate bastante desafiador na vida das  pessoas LGBT, principalmente uma pessoa trans. Até mesmo porque não podemos permitir que as nossas lágrimas, frustrações, sentimentos e emoções sejam empurradas para debaixo do tapete da cisgeneridade. Vivenciamos um estado covarde de pesadelos adoecedores, que nos abatem diariamente. O silêncio não favorece que possamos falar de nossos amores, dores e sentimentos.

Cada novo amanhecer, um show de horrores ocorre no parlamento brasileiro em seu eixo transfóbico fundamentalista cujo ponto de partida é o fuzilamento das existências LGBT. Com tamanhas desigualdades sociais no nosso país, bem como as inseguranças sociais e alimentares, e as inúmeras consequências de adoecimento mental, o genocídio do povo preto, os ditos integrantes familiar tradicional não pensam/apresentam uma proposta contudende para erradicar as desigualdades sociais. Seus fetiches aos nosso corpos, existências e emoções são o auge do ridículo.

Bendida seja a Erika Hilton entre as travas! 

O racismo a transfobia, bem como o sexismo, nos adoecem mentalmente antes de nos matar fisicamente, mas vejo que a pauta em questão é a fiscalização do amor alheio. Devo vos dizer: se Deus é amor, seus discípulos políticos precisam experienciar desse mandamento, comungando com a unção intrínseca das suas práticas "cristãs" afinal de contas, nas escrituras sagradas cristãs, o amor é um dom sublime. Amar Deus, que você não vê, é incoerente quando não se ama a quem se vê.

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E assim, na contradição de Brasília assistimos esse cenário de horror! Segue sem enfatizar ou ampliar as políticas de erradicação aos efeitos que esse próprio estado causa à nossa saúde mental.

Fonte: Redação Nós
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