Vivemos em um momento em que as conquistas em prol dos direitos das mulheres são inegáveis, mas também somos testemunhas da ascensão de um crescente movimento antifeminista que ameaça minar essas conquistas com a mobilização de políticas "antigênero", que vem sendo usadas para impedir avanços e retroceder nos direitos das mulheres e pessoas LGBTQIA+.
Políticas antigênero, além de serem uma pauta organizada dentro do ecossistema da extrema direita e fundamentalistas religiosos, muitas vezes, vêm acompanhadas de ataques aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres pelas mesmas figuras que hoje se levantam em defesa da transfobia usando a suposta defesa de meninas e mulheres como escudo.
Essas políticas buscam definir as mulheres estritamente com base na biologia. E a defesa do "sexo" como base justificável de discriminação e violência é inaceitável. Ao se concentrarem exclusivamente na biologia como critério para definir quem é uma mulher, as políticas antigênero ignoram a complexidade da identidade de gênero e da experiência das mulheres que são múltiplas, ignorando totalmente a existência de identidades transmasculinas e não binárias de pessoas que têm vagina e útero, e que não são mulheres.
Mulheres são muito mais do que seus órgãos genitais ou reprodutivos, e reduzi-las a essas características é desrespeitoso, limitador e altamente sexista. Ao focar na biologia, desvia-se a atenção das questões sistêmicas e interseccionais sobre a violência de gênero que alcança mulheres e das desigualdades sociais que ainda persistem e atingem mulheres negras empobrecidas com maior frequência e intensidade.
A abordagem rígida sobre o 'ser mulher' nega a diversidade corporal e de gênero e impede que pessoas trans e intersexo tenham assegurados direitos, cidadania e respeito. Assim como geram cisões no movimento feminista quando usadas para promover a exclusão de mulheres trans e travestis dos espaços feministas.
Ideais e crenças que discriminam e violam direitos com base na biologia já causaram muita violência contra pessoas negras, indígenas e aqueles indivíduos que não seguem as normas tradicionais de gênero e sexualidade. No século 20, vimos como essas ideias causaram problemas como a segregação social, a negação de direitos e até mesmo a eliminação sistemática de grupos e indivíduos considerados "diferentes".
Ao admitir, por exemplo, uma política de coerção contra mulheres trans no uso de espaços femininos, estaríamos admitindo práticas de monitoramento que darão mais acesso aos corpos de mulheres cisgênero. Nesse sentido, políticas antigênero representam, sem qualquer dúvida, um retrocesso nos direitos das mulheres e a negação da identidade de gênero das pessoas trans.
Ao negar a identidade de gênero de travestis e mulheres trans e classificá-las como "homens" e/ou como inimigas, com base em características biológicas, além de não fazer avançar os direitos das mulheres ou a luta contra o machismo e a misoginia, também perpetuam a discriminação, a violência e a marginalização que as mulheres trans e travestis já enfrentam.
As conquistas dos direitos das mulheres e a luta pela igualdade de gênero trans inclusivas não são antagônicas entre si e tampouco deveriam ser limitadas por critérios estritamente biológicos, mas, sim, baseadas em princípios de justiça, igualdade e respeito pela diversidade.
A verdadeira igualdade só pode ser alcançada quando todas as mulheres são reconhecidas e respeitadas, independentemente de sua identidade de gênero.