Rihanna e a receita anti-Burnout

Nunca se falou tanto em autocuidado e nunca as pessoas foram tão descuidadas consigo mesmas sem perceber

13 fev 2023 - 17h13
(atualizado em 14/2/2023 às 16h14)
A coragem de fazer o básico bem feito da Rihanna pode abrir discussões importantes para nós mulheres sobre o que realmente afirma nosso valor no mundo
A coragem de fazer o básico bem feito da Rihanna pode abrir discussões importantes para nós mulheres sobre o que realmente afirma nosso valor no mundo
Foto: REUTERS/Brian Snyder TPX IMAGES OF THE DAY

Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional que anda no meio fio entre a superficialidade na abordagem e a negligência diante de sua gravidade. Mas nem de longe é um assunto de segunda importância, ao contrário, assim como a depressão e/ou a síndrome do pânico, vem se consolidando como um dos grandes sofrimento da sociedade contemporânea. Quem já teve um contato mais prolongado com uma pessoa que desenvolveu esse distúrbio e foi devidamente diagnosticado, sabe que estamos diante de algo muito mais importante do que parece. 

Mas aquela romantização pública do condicionamento que nos leva a crer que trabalhar até a exaustão insuportável sem conseguir parar, mesmo se sabendo além dos limites, não apenas persiste como tem nome gourmetizado: workaholic, ou o viciado em trabalhar. 

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Mas convenhamos, não existe vício saudável, existem hábitos saudáveis e esses são controláveis e edificantes para nossas vidas. E isso é o oposto da dinâmica do vício. 

Daí, o workaholic se gaba por trabalhar quase vinte e quatro horas por dia, se alimentar mal, dormir pouco e sacrificar sua vida familiar, social e afetiva, creditando a essa rotina insana como a única maneira de ser bem-sucedido na vida e obter sucesso profissional. A imprensa fica em polvorosa, sai em capas de revistas como pioneiro em alguma coisa, vira personagem de filme e novela, etc. 

Um belo dia, dá de cara com o muro de sintomas e descobre o quanto ele é duro: exaustão extrema, estresse e irritabilidade, esgotamento físico e mental, perda do prazer de fazer as coisas, dificuldade para se concentrar, danos consideráveis a memória e a capacidade de raciocínio, sensação de impotência e, em alguns casos até sintomas físicos como sudorese, dores de cabeça e falta de ar, entre outros que descreve a Organização Mundial da Saúde, que já classificou a Síndrome de Burnout como doença ocupacional. 

A partir daí, a coisa complica. E tem se tornado mais comum do que parece. 

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De acordo com a International Stress Management Association (Isma-Brasil), cerca de 32% da população economicamente ativa foi diagnosticada com Burnout em 2019. E os casos não param de crescer, no Brasil e no mundo. 

Curiosamente, estamos em um tempo de normalização do narcisismo, da alta competitividade e dos malabarismo sobrehumanos para desesperadamente convencer as pessoas de que há um padrão de vida ideal e permanentemente feliz. 

Mas esse padrão além de ilusório, tem um preço, e não estamos falando de dinheiro e, sim, de saúde, física e mental. 

Toda e qualquer pessoa que atinge a maturidade emocional sabe que se lançar nos círculos viciosos e viciados das exigências da sociedade contemporânea é no mínimo, um abismo profundo. Nunca se falou tanto em autocuidado e nunca as pessoas foram tão descuidadas consigo mesmas sem perceber. A quantidade de  livros de autoajuda é proporcional ao nível de desconexão de si mesmo que o ser humano “moderno” demonstra sem ao menos perceber.  O que antigamente era visto, em termos de comportamento humano, como sinal de alerta, atualmente é aplaudido, desejado e glamourizado. 

Ok, mas o que a Rihanna tem a ver com isso?

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Depois do seu show em um dos eventos mais esperados do mundo, o Show do intervalo da final da NFL, campeonato de futebol americano, o SuperBowl, e, principalmente sobre alguns comentários que se seguiram à apresentação, uma luz vermelha silenciosa ascendeu no ar. E não foi o reflexo da roupa da tão esperada entidade do pop atual.

Grávida de seu segundo bebê, Rihanna fez um show enxuto em movimentação, mas impactante na presença de palco e no repertório apresentado, com direito a grande notícia sobre sua gravidez e figurino que será desejado e imitado por pelo menos os próximos seis meses. 

Fãs e admiradores se esbaldaram, olhando atônitos, a divindade sendo puxada para cima, em um palco móvel, cantando em uma base de playback um de seus maiores hits, cujo refrão parece falar dela mesma, Shine bright like diamond. 

Dias antes, em entrevista a uma emissora dos EUA, a cantora de Barbados reafirmou seu compromisso com a representatividade, não apenas para seu país de origem, mas também para todas as mulheres negras. 

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Cumpriu o que prometeu e ainda fez uma propaganda do seu maior feito fora da música, a marca de maquiagem que conseguiu, de fato, atender a diversidade nesse universo da beleza. 

Mas, para alguns críticos, não foi o bastante para uma aparição de 15 minutos para uma carreira de 17 anos com grandes sucessos de uma das grandes hitmakers da indústria da música norte-americana.

Não que a cantora se importe, Rihanna é uma das personalidades de proporção internacional mais descompromissada com as urgências da opinião pública, da imprensa e até de seus fãs. Prova disso é o tempo que a cantora estava sem aparecer em performance ao vivo e, principalmente, sem gravar um novo trabalho, mesmo sob toda a avalanche de cobranças que ela, com muito bom humor, ignora. 

Mas é importante pegar esse traço da personalidade da cantora para reafirmar o que realmente significa autocuidado, especialmente para aquelas que não são bilionárias e dependem do contato diário com as urgências alheias para sobreviver. 

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O mundo parece estar empenhado em adoecer pessoas. 

Mas quem é o mundo? Nós. 

E nós sucumbimos à sedução da competitividade, dos narcisismos que juram que o topo é para todes e da vaidade de ter que provar o valor pautado por essa sociedade adoecedora a qualquer preço. E esse preço tem sido a nossa saúde. Assim como um show de música não depende de performances pirotécnicas para ser bom (a geração banquinho e violão que o diga), qualidade e quantidade jamais estarão necessariamente no mesmo pacote. 

O valor de cada pessoa está atrelado não exatamente ao que ela produz, mas sobretudo, à qualidade do que ela produz. E a qualidade do que se produz, por sua vez, está atrelada ao potencial de transformação que ela consegue mover, para si e para a coletividade. Mas em tempos de likes e seguidores, estamos sendo levados a pensar o contrário.

Como muitas mulheres, Rihanna chegou em um lugar de relevância incontestável e agora, se dedica a novos vôos, a despeito de já ter construído um belíssimo porto seguro financeiro, o que muitas não dispõem. Mas, independente disso, e diferentemente da Rihanna, somos seduzidas diariamente pelas cobranças por alcançar sempre um degrau a mais e entorpecidas pelo condicionamento internalizado que nos grita do lado de dentro que “ainda não é o bastante”, mesmo quando estamos à beira de um colapso.

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Não é mero acaso que a maioria das pessoas acometidas com Burnout sejam mulheres. Nunca ouvi nenhum tipo de questionamento sobre alguma possibilidade desse “sumiço” da Rihanna dos showbusiness ser (talvez) sintoma de um esgotamento ou uma ação de autocuidado para evitá-lo..

No livro clássico de Susan Faludi, Backlash antifeministas, a jornalista norte americana desvenda os meandros que criaram a figura da Girl Power ou Superwoman e convenceram uma legião de mulheres que isso era feminismo, enquanto cooptavam o real significado de empoderamento para validar ainda mais esse golpe nas políticas de emancipação feminina. 

E nós escorregamos nessa casca de banana ainda hoje, depois de todas as discussões que são levantadas a respeito. Brigamos, silenciosamente, para sermos as melhores entre nós enquanto fazemos todas as tarefas e malabarismos que homens sequer cogitam fazer, como a jornada tripla de trabalho casa-filhos-trabalho. Em meio a reclamações de esgotamento em redes sociais, vemos as mesmas pessoas sob efeito do vício social de superar a si mesmas e aos outros. 

A distopia é: reclamamos na mesma medida em que nos cobramos e cobramos aos outros, inventando a cada dia uma urgência nova. 

Nesse sentido, é interessante observar a segurança de Rihanna, que se sabe relevante e se dispõe a fazer o suficiente para se comunicar com aqueles e aquelas que realmente apreciam seu trabalho e sua história, afinal, se dezessete anos de uma carreira recheada de grandes sucessos não são o bastante para garantir seu lugar ao sol no halftime do Super Bowl, malabarismos nenhum conseguiria. E, no final das contas, a coragem de fazer o básico bem feito da Rihanna pode abrir discussões importantes para nós mulheres sobre o que realmente afirma nosso valor no mundo, se os sacrifícios sobrehumanos que fazemos e jamais são ou serão reconhecidos pelo mundo patriarcal ou o valor que damos a nós mesmas e a nossa maturidade em atender quem amamos na exata medida em que conseguimos. 

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Fonte: Redação Nós
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