O Brasil sempre teve uma amnésia sobre a escravidão, o Brasil sempre se vendeu como o país de todos, do carnaval, o país sem racismo. Sim, acreditem, tem muita gente que diz que no Brasil não tem racismo. Então esse texto é para essas pessoas que dizem que o Brasil é anti-racista.
Querido alecrim dourado, esqueça tudo o que te falaram e leia com atenção, pois é real esse bilhete.
Sua professora de história certamente te falou que Cabral descobriu o Brasil, que entregou espelhos de presente, recebeu presentes, disse também que os indígenas foram batizados e todos viveram felizes para sempre. Essa narrativa romantizada é a primeira Fake News desse país que ama esconder sua verdadeira história, foi através dessas mentiras que o Brasil educou a sociedade e fez você dizer que racismo não existe.
Alecrim dourado, o racismo chegou na ficção Brasil em 1.500, quando os europeus invadiram esse território. SIM, foi invasão! E não “descobrimento”. Nessa usurpação eles trouxeram doenças, genocídio e racismo.
O racismo desceu das caravelas e anunciou: “Essas pessoas não tem alma, são seres selvagens”.
Os colonizadores tiraram a humanidade de um povo, depois escravizaram esse povo, tiraram suas casas os impediram de falar sua língua materna e muitas outras atrocidades. Parece distante, mas não é! Esse pensamento etnocida ainda persiste firme na contemporaneidade, e vou te contar de que forma. Sabe aquela sua bisavó indígena que você diz que foi pega no laço? Ela foi uma mulher indígena sequestrada e estuprada.
O racismo começa em 1.500, quando assaltaram terras originárias, e em seguida, apenas se firmou quando os primeiros negros sequestrados do seu lar, foram arrastados para o Brasil e chegaram em torno de 1.539 e 1.542. Desde então, o racismo nunca foi embora. Apenas se empreguiçou em cada canto, detalhe, pensamento e ações. Estando presente não somente nas respostas rotineiras, mas nas perguntas, e nas ausências.
Agora é a hora de refletir.
Vou fazer algumas perguntas para você pessoa branca. Vou focar na música e na arte pois são os caminhos que eu trilho.
Quantas apresentadoras de TV negras tem no Brasil?
Quantas apresentadoras de TV indígenas tem no Brasil?
Quantas apresentadoras de TV brancas tem no Brasil?
Quantas escritoras negras já leu?
Quantas escritoras brancas?
Quantas escritoras indígenas?
Atrizes reconhecidas....
Quantas brancas?
Quantas negras?
Quantas indígenas?
Quantas cantoras (no auge) tem no brasil?
Quantas negras?
Quantas brancas?
E quantas indígenas?
Agora vamos falar de afeto, socializar e se relacionar. Quantas pessoas negras e indígenas você tem afeto, amizade, quantas delas estão no seu ciclo social?
Sim, essa ausência é racismo! Por favor alecrim dourado, não venha me falar de “merecimentos e esforços”, pois sendo assim, esse texto teria que ser um workshop.
O racismo existe e precisamos combatê-lo! Porém, para fazer isso de forma genuína, é preciso pensar para além do negro. Afinal, nós indígenas também sofremos racismo. Pessoas negras e pretas estão cada dia mais ocupando o espaço de poder e de protagonismo, mas essa porta que eles conseguiram quebrar está bem longe de nós, indígenas.
Eu, Katú Mirim, trabalho com música, escrita e internet, mas antes disso tudo eu sou indígena e lésbica. E esses recortes me impedem de chegar em lugares que eu gostaria de estar. Não é falta de talento e esforço, mas sim por causa do racismo e lesbofobia.
Minha carreira está em ascensão e isso tem me feito ocupar lugares com muitas pessoas brancas. Quando eu recebo convite para eventos musicais e artísticos eu sempre sou a única indígena nesses locais. É nessa hora que eu vejo o racismo e como eu estar ali, tem sua importância coletiva e histórica.
Em pleno 2022 em uma era digital, era da informação e as pessoas continuam esquecendo de incluir indígenas nas pautas raciais? Por que artistas indígenas tão talentosos não estão nos meus locais de protagonismo que artistas brancos sem talento? Sim, ainda tem muito artista e humoristas brancos péssimos, e até racistas explícitos... no topo! Então não me venham falar de talento.
O Leo Lins por exemplo, é um homem branco racista, que não tem talento algum no humor, mas continua lá sendo sustentado por outros que pensam como ele.
Racista ama racista.
Sim, esse país tem muito racismo, tem muitos racistas e precisamos lutar contra isso. PRECISAMOS, no plural, porque todos devem lutar contra o racismo, principalmente você pessoa branca alecrim dourado.
Lembrem-se.... se não tem indígena não é anti-racista! Se tem não indígena não é diverso, não é inclusivo!
E quando for incluir indígena, não esqueça de que somos plurais. Em outro encontro nosso, caro leitor, dialogaremos mais sobre a pluralidade indígena. Por enquanto, é só.
E caso pense em comentar aqui, que tudo é “mimimi”, eu respondo com a famosa frase do Rapper Djonga: “Fogo nos racistas”.
Abraços, fui!