Neste ano está agendada a revisão das cotas para acesso de pessoas às universidades federais. Acontece que alguns parlamentares estão dispostos a excluir a subcota racial que repara os danos históricos sofridos pela população negra e indígena. Segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) junto ao Geema (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa), existem nove propostas contrárias as ações afirmativas.
É importante lembrar que cotas no Brasil não são novidade. O primeiro sistema de cotas foi do AGRO. A Lei Federal nº 5.465, de 3 de julho de 1968, que ficou conhecida como “Lei do Boi”, tinha como propósito reservar vagas nas universidades federais para “agricultores e filhos de agricultores” com intuito de otimizar a produção agrícola, mas na verdade eram cotas para que filhos de fazendeiros tivessem a vida facilitada para entrar em cursos como agronomia e veterinária. Até porque a grande maioria dos agricultores e dos seus filhos estavam ocupados trabalhando na terra para engordar o bolso dos fazendeiros. Essa lei durou mais de 20 anos.
As cotas sociais nascem para mitigar o abismo social no Brasil. E quando se fala em pobreza e Brasil, a população negra é diretamente lembrada, já que, segundo dados do IBGE, 76% dos mais empobrecidos do país são negros. Ou seja, aparentemente a subcota para negros precisou ser criada porque mesmo as pessoas negras sendo a maioria das pessoas empobrecidas no Brasil, elas ainda assim não estavam conseguindo acessar as cotas sociais com plenitude. Isso levanta a seguinte reflexão: a classe é o único fator que impede as pessoas negras de ascenderem socialmente? Para ajudar a reflexão trago outro dado interessante da pesquisa “Características do Emprego Formal da Relação Anual de Informações Sociais”, que mostrou que negros formados ganham 47% a menos que brancos e existem vários outros dados que comprovam que a questão social não é suficiente para solucionar o racismo no Brasil.
Raça e classe são elementos que se confundem muito quando falamos de Brasil, mas apesar de terem uma ligação histórica, pensar só em classe não é suficiente para resolver os problemas raciais. Entender isso é fundamental para a compreensão da urgência de existir COTAS RACIAIS, e não subcotas, porque a classe não é o único fator que impede a ascensão social de pessoas negras, muito pelo contrário, o racismo forma barreiras para pessoas negras que o dinheiro não resolve.
Quantas vezes vemos crianças evadindo da escola após ser vítima de injúria racial? Crianças negras, sobretudo as que permeiam espaços majoritariamente brancos, tem sua autoestima e autoconfiança roubadas. Um estudo da PUCRS junto com a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina, que foi publicado na revista científica Dados, mostra que negros ganham 17% a menos que brancos ainda que esses tenham a mesma origem social. Assim como o relatório da ONG Oxfam mostrou que o salário do branco pobre é 46% maior do que o de uma pessoa negra também pobre.
Existem outros pontos que devem ser trazidos para o debate quando o assunto são cotas raciais, por exemplo, o fato de alguns cursos como o de medicina ter um número de pessoas negras ainda defasado. A proposta de revisão deveria ser feita em prol da população negra como um todo. Isso não quer dizer que negros empobrecidos e negros não pobres devem brigar pelo mesmo espaço, e sim que a questão racial deve ser analisada para além da classe. Pessoas negras de todas as esferas sociais carregam cicatrizes do racismo e essas marcas muitas vezes são barreiras na tentativa de escalar socialmente.
A elite do atraso que insiste em negar o racismo esquece que foram 388 anos de escravização contra 134 anos de “liberdade”. Uma liberdade sem ressarcimento, sem desculpas e sem amparo. As cotas deveriam ser o ponta pé inicial para que outras ações afirmativas fossem constituídas em prol da população negra, mas o que vemos é um anseio pelo extermínio das cotas baseada na falácia da meritocracia e da democracia racial que há anos condena a população negra a pobreza e ainda os culpa por isso.