BBB 25: atrelar uma participante negra ao mau cheiro é herança escravocrata

Propagandas racistas não podem ser normalizadas, sobretudo quando veiculadas no maior produto da TV brasileira

26 mar 2025 - 17h05
(atualizado às 17h09)
Foto: Reprodução/Rede Globo

A marca de desodorantes Rexona fez uma propaganda com a participante Aline que flertou muito com o racismo. Não é novidade que, já há algum tempo, as grandes empresas vêm perdendo o interesse na causa racial. Com a eleição do Trump, isso só se potencializou. Várias marcas que possuíam um núcleo de diversidade para barrar alguns tipos de ideias impróprias foram extintas. Com isso, há grandes chances de “gafes” como esta se tornarem comuns na publicidade brasileira.

A propaganda dizia: “A Aline sabe que pode contar com a proteção da Rexona Clinical. Por isso, ela está pronta para enfrentar todas as tensões sem suor e mau odor”. Talvez, para alguns, isso possa parecer bobagem, mas associar pessoas negras a mau cheiro é uma prática falaciosa que remonta ao período escravocrata. Não por uma questão de cor, mas sim pelos acessos à higiene que eram bastante limitados.

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Precisamos lembrar que pessoas negras escravizadas ficavam o dia inteiro no sol trabalhando muitas vezes sem direito a descanso, quanto mais a banho. Tudo nesse período era função de pessoas negras. Logo, eram os escravizados que limpavam os banheiros, ou seja, eram eles que pegavam os baldes com urina e fezes para descartar no rio. Também eram os escravizados que limpavam estrume de animais, capinavam e realizavam todos os trabalhos braçais da época — tudo isso sem acesso ao que seria uma higiene de qualidade.

Por conta da escravidão e da situação desumana a que os escravizados eram submetidos, muitas vezes eles tinham um odor característico de quem trabalha o dia inteiro sob o sol quente. No entanto, a má higiene jamais foi um costume africano. Muito pelo contrário: quem tinha fama de ser malcheiroso e não gostar de higiene eram os europeus, que, mesmo tendo acesso a banhos, sabonetes e produtos de limpeza, não utilizavam essas práticas de maneira regular. Essa alusão ao "negro fedorento" se perpetuou após a escravidão, e os motivos continuaram semelhantes: muito trabalho, pouca remuneração e pouco acesso a produtos de higiene.

Hoje, nós sabemos que qualquer ser humano — uns mais e outros menos — que transpire muito e não tenha acesso a higiene de qualidade corre o risco de ficar com mau cheiro. Sabemos também que isso não tem nada a ver com a cor da pele. Mas essa falácia do "negro fedorento", como outras também oriundas da escravidão, se perpetuou até os dias atuais. Quando uma marca faz essa conexão, tendo uma pessoa negra como o centro da propaganda, inflama toda uma cultura racista que atrela o negro ao mau cheiro.

Se as marcas tivessem uma equipe de diversidade para apontar esse tipo de erro, dificilmente coisas como essa aconteceria. Mas, como o racismo não gera revolta na maioria, é mais fácil para elas pedirem desculpas do que investir para não correr esse tipo de risco novamente. Infelizmente, enquanto a questão racial não gerar punições sérias às empresas, será mais vantajoso e confortável fazer uma nota de desculpas do que se educar para ter uma empresa livre de racismo.

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Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais há dez anos e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade.
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