Para quem não está assistindo o programa, é o seguinte: o BBB23 está dividido entre dois grupos e esses grupos estão divididos em quartos, o Deserto e o quarto Fundo do Mar. Desde a saída da participante Key Alves na última terça-feira, 7, o quarto Fundo do Mar ficou só com integrantes negros. Isso ocorreu não só pela eliminação do último programa, mas também pelo fato de um integrante do quarto Deserto, Ricardo Alface, ter trocado de quarto por estar sendo julgado da pior forma com seus "parceiros" de jogo.
Esse BBB vem sendo marcado pelos dois pesos e duas medidas e as vítimas desses julgamentos desproporcionais, na maioria das vezes, são pessoas negras. Nessa última semana, isso ocorreu mais uma vez. Ricardo foi achincalhado pelo seu grupo por fazer o mesmo que a maioria deles fizeram, ou ainda fazem, mas, por ele ter sido sincero e falado que fez isso, sim, por jogo e não se escondeu falando meias verdades, a galera do quarto Deserto resolveu cair em cima dele. Isso, inclusive, ajudou a cair a máscara de uma galera branca, principalmente a do Fred, ex da Boca Rosa, Larissa e Bruna Griphao.
Esse texto não é sobre romantizar aquilombamento e nem para tentar dizer que devemos nos submeter a qualquer coisa para aquilombar. No próprio BBB os participantes negros tiveram diversas tretas entre eles. Alface com Cezar Black, Domitila com Cezar Black, Sara com Domitila, entre outras situações. Mesmo com todas as divergências, eles, hoje, estão unidos em um mesmo quarto, se defendendo de várias situações que se agravaram por terem tomado determinadas atitudes.
A única pessoa negra que não faz parte desse quarto é a Aline. Ela não tem muitos embates com a galera branca, é bem quista por alguns deles, mas também nunca causou o incômodo de colocá-los diante das suas próprias incoerências e seletividades. E talvez por isso ainda não tenha sido alvo deles. Ela é meio planta, então está meia alheia ao game.
Aquilombar-se é o ato de assumir uma posição de resistência contra a hegemonia, e isso é exatamente o que vem acontecendo. Você tem a Bruna que grita, xinga, coloca dedo na cara e ela fez isso, mais bruscamente, com dois homens negros, Alface e Fred Nicácio. Você tem a Amanda que chamou Dr. Fred de agressivo por usar uma hipérbole, o Sapato que viu bondade no Gabriel Flop, no Christian, enquanto chama pessoas negras de maldosas, a Larissa que sempre tratou o Alface com desdém.
O aquilombamento, ainda que os participantes do programa nem tenham percebido, é uma necessidade histórica que ocorreu dentro dos navios negreiros, nas senzalas e nos quilombos. É uma convocação que, por vezes, nem nós mesmos conseguimos entender. A gente se conecta pelas dores e vivências, no intuito de facilitar o avanço e fomentar esperança, força e sonhos na tentativa de conseguir alcançar objetivos maiores.
É isso que tem acontecido no programa. São pessoas negras totalmente diferentes. Cada um com seu histórico de vida, com sua identidade própria, alguns deles têm letramento racial, outros nem tanto. Tem até quem aparenta não ter nenhuma. Contudo, esses indivíduos estão se unindo para ir de encontro ao outro quarto que vem, há semanas, dando mais ênfases nos erros dos pretos do que dos brancos.
Como eu disse acima: ERROS! Não estou falando que os participantes negros não erraram. Longe disso, erraram, sim, mas, diferente de outros, para seus equívocos o peso é multiplicado e, se não houver humilhação, pedido de desculpas com olhos marejados e cabeça baixa, não há perdão.
A sensação é que a galera - e isso cabe também aos telespectadores - não é acostumada com pessoas negras fora do local de subserviência. O indivíduo negro que conta suas histórias tristes é mimizento, o que diz que é bomzão é arrogante, o que se vangloria dos seus feitos é pedante, o que fala sofre racismo quer usar a pauta pra se promover. Logo, se o individuo negro não atender a expectativa racista do grupo, ele é rotulado e tem que lidar com isso até o fim ou se moldar para se encaixar no que esses acham correto.
Para além de tudo, o BBB vem mostrando como pessoas negras se organizam para se manterem vivas. No contexto do programa, para não irem ao paredão e não saírem do jogo, e, na vida real, esse aquilombamento ocorre para conquista de direitos básicos, para manutenção da vida e pela busca de justiça.