Ai, gente, sei que muitos de vocês não curtem BBB e acham que eles fazem uma espetacularização da nossa dor e eu não discordo disso. Outros acham que é um tipo de representatividade vazia e que não vale de nada e eu também entendo. Fato é que muita gente que a Academia e o Instagram não alcançam assiste ao programa. E eu já ouvi de gente que faz trabalho de base de como produtos da indústria cultural como o reality chegam muito antes da maioria dos discursos bonitos e elaborados.
Isso dito, já rolou um negócio tenso em menos de 24 horas de programa. Luigi, um cara preto retinto, chamou Leidy, uma mulher preta retinta, de macaca. Se você me perguntar o contexto exato eu não saberei falar, porque é algo que iria me atravessar e prefiro não falar porque pode atravessar outras pessoas também. Ela o repreendeu na hora, deu um papo certo, sem se exaltar, depois o chamou no particular e trocou uma ideia na moral, chamando ele na responsa. Isso era tudo que os que chamam racismo de "mimimi" estavam esperando para soltar a frase “o mais racista é o próprio negro” enquanto cobravam Leidy por não ter votado em Luigi para o paredão.
Esse é um tema bem complexo. Ao mesmo tempo em que entendo que nem todos os negros têm acesso ao letramento racial e acabam aderindo a alguns comportamentos racistas para serem aceitos e/ou fingirem que estão de boa com isso, compreendo total as possíveis vítimas dessas pessoas que podem explodir e revidar de forma violenta mesmo que o algoz seja um irmão de cor. Até porque o racismo é uma ferida aberta que jamais cicatriza por estar sendo constantemente aberta.
Queria trazer um exemplo pessoal. Eu só fui entender as questões raciais após entrar na universidade. Eu já tinha mais de 20 anos e até então tinha muitos comportamentos racistas. A ponto de já ter dito que parecia mesmo com macaco e dane-se. Inclusive eu tirei foto da campanha do “menino” Ney “somos todos macacos”. Eu sei que você riu e sorrirá ainda mais quando notar que nessa época eu já tinha um certo letramento. Vale lembrar que apesar de negro, nunca fui periférico, e ainda assim a informação não chegava.
Não é para passar pano e você entenderá isso mais à frente. Mas a realidade é que muitos dos nossos estão totalmente absorvidos pelo ideal branco de civilidade e reproduzindo vários comportamentos que, mesmo sem perceberem, dão a volta e agridem a eles mesmos. Quantos policiais, seguranças, entre outros, são algozes de pessoas negras? Quantas vezes já vimos pessoas brancas mitigando uma situação de racismo e sendo confrontada por outra pessoa negra dizendo que é "mimimi" e que ela não liga? O letramento racial não é algo que o estado quer que seja disseminado e isso faz com que muitos dos nossos - e se for periférico tende a piorar - não estejam a par de como agir e pensar.
Por outro lado, não acho que nenhuma negra ou negro deva ser condescendente com seu algoz independentemente da cor dele. Quando fui seguido em uma loja de departamento foi por um mano pardo a serviço do capital, mas ainda assim tive vontade de ir pra cima dele, porque, na real, minha integridade em primeiro lugar. Ninguém tem obrigação de colocar a questão racial acima da sua vida. Quantas vezes já vimos pessoas negras sangrarem na mão de outra pessoa negra? Quem está disposto a pagar para ver e sofrer as consequências?
Espero que o Luigi entenda bem que chamar outra mina de macaca é, além de racismo, um tiro no próprio pé, não só porque todo racismo irá se refletir nele, mas também porque preto em reality não tem segunda chance. E parabenizar, ainda que mentalmente, a Leidy por ter sido supercomedida, mas não ter aliviado em nada a responsa dele sobre a asneira dita. E repito, se ela tivesse agido de maneira abrupta estava no seu direito de vítima.
Espero que o BBB 24 possa trazer discussões sobre racismo e que cheguem em seu Zé, que não tem internet, só assiste a Globo e ainda acha que a raça é humana. E avisar também que irei abordar várias questões de Big Brother aqui na coluna, porque eu já vi o impacto que os grandes meios de massa podem ter em uma parcela da população que não dialoga com pseudos-intelectuais como eu.