No debate de ontem (16) o atual presidente do Brasil, nos seus últimos dias de mandato, teve a pachorra de falar: “Seu Lula, amizade com bandido. Eu conheço o Rio de Janeiro. O senhor teve atualmente no Complexo do Salgueiro, não teve um policial ao seu lado, só traficante". Além de errar o nome do Complexo do Alemão, Bolsonaro insinuou que as, milhares de pessoas que estiveram com Lula nesse dia eram bandidos, desmerecendo todas as pessoas empobrecidas nesse país que, na grande maioria das vezes, são as que mais trabalham e ganham menos.
Essa visão do atual presidente não é novidade. Ele não é o único que criminaliza a periferia como um todo, mas será que existem outros motivos para Bolsonaro tratar toda favela como bandido?
Em agosto de 2003, o então deputado Jair Bolsonaro, apoiou grupos de extermínio cobravam cinquenta reais para matar jovens periféricos. O mesmo discursou no plenário da Câmara dos Deputados e disse, entre outras coisas: “Quero dizer aos companheiros da Bahia que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu estado só as pessoas inocentes são dizimadas. Na Bahia, pelas informações que tenho, a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns!”.
Para quem não sabe as milícias são organizações militares, ou paramilitares, que não fazem parte do estado, em tese as milícias são formadas por civis com poder de polícia, mas no Brasil, na maioria das vezes, são os próprios agentes do estado que ocupam esse espaço.
No Brasil elas costumam atuar em regiões empobrecidas onde o estado falha miseravelmente em atender. Por isso, no início de tudo, por facilitar a entrada de serviços essenciais nas áreas desassistidas pelo governo, como segurança, serviços de TV a cabo, gás e etc., esses grupos eram bem-vistos e criavam uma dependência da população por eles.
Nessa altura as taxas cobradas por milicianos eram “justas” e não gerava desconforto da maioria. Com o passar do tempo, a taxa simbólica para manter o serviço passou a ser negócio, ficar muito cara e tudo passou a ser taxado.
Essas taxas de “proteção” passaram a se tornar extorsões que quando não pagas acabavam em ameaças, intimidações e até morte. Quem não se curva à milícia e tenta confrontá-la tem destinos tristes. Dois casos muito famosos nesse sentido são os de Marielle Franco, morta por Ronnie Lessa, que era vizinho do atual presidente e atuava com Adriano de Nobrega — também ligado a milícia —, que empregou mulher e filha no gabinete de Flávio Bolsonaro.
O outro caso é do Renato Freixo, irmão do Marcelo Freixo, que também foi assassinado por milicianos em 2006 porque demitiu o grupo do condomínio onde ele era síndico. Esse caso é emblemático, pois foi Marcelo Freixo que liderou a luta contra a milícia carioca após esse ocorrido.
Essa ligação de políticos com a milícia não é por acaso. Naquele início, citado acima, quando a imagem da milícia ainda era positiva, quando havia o discurso de que a milícia era “menos pior” do que o tráfico, já que eram agentes do estado fora de serviço que estavam no comando da área, políticos viram nesses milicianos pessoas que poderiam se alçar a cargos públicos. Com isso, os apadrinharam e rapidamente eles alçaram cargos como deputados e vereadores. Esse envolvimento com políticos foi, e ainda é, fundamental para a proteção dessas milícias que em troca garantem votos para que esses sejam reeleitos constantemente. Conhece alguma família de políticos que um deles ficou 26 anos como deputado e só aprovou 2 projetos de lei? É estranho que outro membro dessa famílicia tenha condecorado Adriano da Nóbrega, citado acima, com a medalha Tiradentes na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, enquanto deputado estadual, em 2005?
Criminalizar toda a periferia e tentar fazer com que o grande público pense que lá só tem bandido, legitima a atuação de milicianos, criando assim uma imagem positiva desse modo operante que hoje é tão nocivo quanto o tráfico e organizações como o PCC. A milícia hoje, talvez, traga mais questionamentos ao estado do que outros grupos de criminosos. Por ter essa entrada na política e por ter agentes do estado envolvidos, as milícias são quase impossíveis de combater. Segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, em 16 anos as milícias cresceram 387% e com isso ocupa METADE do território de crime no Rio. Olha o tamanho político disso e a quem irá beneficiar a longo prazo?
Além disso, falas como a que Jair Bolsonaro teve ontem validam ações truculentas da polícia e deixa bem claro sobre o que ele pensa da periferia e que tratamento essa população terá durante mais quatro anos de seu governo.