E se Deolane fosse negra?

Trajetória da advogada no reality A Fazenda só foi possível por ela ser uma mulher branca

5 dez 2022 - 12h05
Por mais que haja movimento contrário a Deolane, não é algo unânime como foi com outros participantes pretos e pretas ao longo desses anos de reality
Por mais que haja movimento contrário a Deolane, não é algo unânime como foi com outros participantes pretos e pretas ao longo desses anos de reality
Foto: Reprodução/Instagram

Os reality shows, assim como outros produtos da indústria cultural, sempre fabricam personagens na tentativa de criar um sentimento no público para que essas múltiplas sensações se transformem em audiência, engajamento e menções nas redes sociais. Para isso ocorrer, por vezes, eles usam a edição para criar um roteiro onde existem o bom e o mau; o engraçado e o ranzinza; o inteligente e o bobo, entre outros arquétipos que ajudam a formar uma historinha bem diagramada.

Essa configuração é formatada, na maioria das vezes, da maneira que os participantes se portam dentro desses programas. Logo, os traços comportamentais desses participantes vão sinalizando para produção e direção quem pode ocupar determinada posição dentro do reality.

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É interessante notar que determinados comportamentos recebem diferentes interpretações dependendo de quem os faça. Uma pessoa negra, ainda que se comporte exatamente igual a uma pessoa branca, jamais terá o mesmo julgamento que ela, já que, graças ao racismo, o imaginário coletivo tende a ser mais condescendente com erros de pessoas brancas.

Karol Conka durante o BBB21 falou uma coisa que, à época, até por todo o contexto empregado naquele momento, foi ignorado pela maioria das pessoas. Ela disse: "O público brasileiro, para aceitar uma mulher preta, ela tem que ser submissa”. E eu concordo muito com ela, e já concordava nessa época apesar de, a todo momento, criticar seus equívocos, sobretudo quando eram direcionados a outras pessoas negras.

Minha análise sobre essa colocação da Karol parte do período escravagista do Brasil. A escravizada negra, que cuidava da cozinha e cozinhava maravilhosamente bem, a ama de leite que deixava seus filhos para poder cuidar dos brancos, todas elas bem submissas e prestativas, mas não por índole, e sim por imposição. Imposição essa que vinha de castigos, maus tratos e etc. Figura essa que é bem representada pela Tia Nastácia da obra cheia de racismo do Monteiro Lobato chamada de Sítio do Pica Pau Amarelo.

Mulheres negras e brancas têm leituras bem diferentes da sociedade. Eu já falei mais sobre isso nos textos Corpo das mulheres negras ainda é tratado como público e descartável e Como os estigmas racistas sobre as mulheres se perpetuam na sociedade. Mas fico muito contente quando um reality ajuda a escancarar esse abismo de interpretação que existe quando há uma diferença racial entre as mulheres

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Lumena é um outro exemplo que caberia nessa comparação. Mulher preta que, apesar dos seus erros, trouxe várias pautas importantes para o horário nobre da TV. Como, por exemplo, colorismo quando tentaram invalidar a negritude do Gil do Vigor. E, para quem não lembra, teve uma promotora que pediu que o título dela de psicóloga fosse cassado. Esse movimento foi pautado nas redes sociais com pessoas dizendo que as atitudes dela não condiziam com a sua profissão.

Deolane Bezerra, participante do reality A Fazenda, teve vários comportamentos que ultrapassaram, e muito, as atitudes tanto de Lumena quanto de Karol. Até ameaça de quebrar a cara de uma outra participante aconteceu e ela não ganhou título de raivosa como geralmente fazem com mulheres negras. Por mais que haja também um movimento contrário a ela, não é algo unânime como foi com outros participantes pretos e pretas ao longo desses anos de reality. Na última vez que ela foi a júri popular, ela não ganhou por muito, muito pouco, diferente da Karol que foi eliminada com 99% dos votos.

Esse texto não é sobre atacar a Deonale e cancelá-la e imputar a ela as mesmas consequências que pessoas negras sofrem, muito pelo contrário, esse texto é apenas uma tentativa que a sociedade, de maneira geral, trate pessoas negras, sobretudo mulheres, da mesma forma que tratam as pessoas brancas. Não a resumido a erros, tendo empatia e acolhimento ainda que haja erro. Vamos refletir acerca das interpretações que damos a comportamentos idênticos vindo de pessoas de raças distintas. A partir dessa análise, talvez, possamos compreender como pessoas negras são canceladas de forma injusta e covarde ao longo dos anos.

Fonte: Redação Nós
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