Luã Andrade: Racismo recreativo é algo comum no Brasil

Quando pessoas negras são alvo de piadas de cunho racial, a piada não está sendo apenas um elemento cômico

22 mar 2022 - 08h00
(atualizado às 13h57)
Após repercussão negativa, o homem fez um novo vídeo dizendo que tudo era "uma brincadeira"
Após repercussão negativa, o homem fez um novo vídeo dizendo que tudo era "uma brincadeira"
Foto: Polícia Civil

No mês passado um médico filmou, “brincando”, um homem negro com os pés, as mãos e o pescoço algemados e presos por correntes. Ele também falou, em tom jocoso, coisas como: “Falei para estudar, mas não quer. Então vai ficar na minha senzala”. Pode parecer um absurdo quando feito dessa maneira, filmado e divulgado, mas o racismo recreativo é algo comum no Brasil. No BBB passado, por exemplo, o caso que envolveu o participante João e o Rodolfo, onde o cabelo de João foi comparado ao de um homem das cavernas, é um outro caso de racismo recreativo.

O racismo pode se dar de várias formas e em várias esferas sociais. Cada um da sua maneira e com suas características, mas todos com o mesmo objetivo: oprimir pessoas negras. O racismo recreativo não é diferente, ele é feito apoiado na premissa da brincadeira, do divertimento, como se o cômico não fosse capaz de ferir ou agredir, afinal o objetivo é o oposto disso. E através dessas “piadas”, a nossa sociedade, estruturada pelo racismo, vai ratificando o imaginário racista que condena a maioria da população preta a locais tidos como subalternos.

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Muitas vezes esse é o tipo de racismo que chega primeiro, de forma mais entendível, nas crianças negras, pois é ainda na infância que os gracejos depreciativos sobre o seu cabelo crespo, seus lábios grandes, seu nariz largo são feitos. Principalmente se essa criança viver em um meio majoritariamente branco, onde as comparações são constantes. Então esse tipo de racismo é muito responsável por destruir a autoestima de crianças negras, que ainda muito novas colocam pregador de roupa no nariz para afiná-lo, a menina pede para alisar o cabelo, o menino para raspar, além alimentar no imaginário infantil que o belo é somente o branco enquanto a beleza negra é inferior.

Para além das questões estéticas, essa prática racista colabora para a estigmatização das pessoas negras como preguiçosas, violentas, incapazes, malandras, entre outras. No caso do médico, descrito acima, por exemplo, ele fala: “Falei para estudar, não quer” e ignora o fato de que a maioria das crianças que larga os estudos para pode trabalhar e ajudar no sustento a família são negras, ignora também o fato de que pessoas negras começam a trabalhar mais cedo do que pessoas brancas. Não só isso, o mesmo faz referência a uma das piores atrocidades da humanidade, a escravização africana, que, em cerca de 400 anos, traficou quase cinco milhões de negros africanos e que, só no translado, matou mais de 650 mil negras e negros. Faz referência a senzala que era o local de cárcere do povo preto. Já imaginou alguém fazendo esse tipo de brincadeira com o holocausto? Fica aí um ponto de reflexão.

A sociedade como um todo ainda não tem um entendimento maduro sobre o que é o racismo e de como ele afeta nossa subjetividade e nosso inconsciente. A maioria ainda acredita que racismo é só aquela expressão escrachada de ódio. Enquanto isso, o racismo estrutural vai se fortalecendo através de elementos sociais que pouco são questionados. Quando pessoas negras são alvo de piadas de cunho racial, a piada não está sendo apenas um elemento cômico, ela também está reforçando todo imaginário racista que circunda a população negra.

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais há dez anos e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade.
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