Na última quarta-feira (15), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante um evento em que falava sobre medidas do governo federal para auxiliar a reconstrução do Rio Grande do Sul, disse que não imaginava que lá tinham tantas pessoas negras e que se deu conta disso vendo as imagens da tragédia. Disse também que a primeira-dama, Janja, o alertou que ele agora via tanta gente preta, pois a grande maioria das pessoas atingidas pelas inundações eram pobres, logo eram pessoas negras.
Essa é uma triste característica que não se resume ao RS. No Brasil, até 2005, pessoas negras eram apenas 11% entre os mais ricos, já, em 2015, segundo o IBGE, esse número aumentou para 17%. Contudo pessoas negras também eram 75% da população mais empobrecida, logo a parcela da população que está mais vulnerável.
Falando de Brasil, outro ponto para se atentar é que o racismo e o colorismo ganham tons distintos a depender da geografia em que são empregados. Por exemplo: uma pessoa como a atriz Juliana Paes, que em estados como Bahia e Rio de Janeiro, seria facilmente chamada de branca, em locais mais ao Sul jamais passaria como branca. Por lá, ela até poderia não ser vista como negra, mas branca provavelmente também não seria.
Isso acontece porque o branco na Bahia dificilmente tem todas as características típicas da Europa muito marcantes. Diferente do Sul, região que abriga várias colônias europeias. Eu tenho um conhecido que aqui em Salvador era indiscutivelmente branco, chegou no Sul e ganhou o apelido de "pelo duro" sendo que o cabelo dele era parecido com o do ator Rodrigo Lombardi.
Pode ser que para muitos de nós, que não vivemos a lógica racial sulista, algumas pessoas que ao nosso olhar são brancas, lá sejam são apontadas como negras e sofram racismo da mesma maneira que qualquer outra pessoa negra no Brasil.
Outro ponto a ser pensado também é que imagem as pessoas querem passar ao falarem do Sul. Muitas pessoas na região têm orgulho de falar sobre sua ascendência europeia, algumas delas realmente acreditam que são europeias (mas isso acaba assim que pisam na Europa), logo a imagem mais difundida da região é o orgulho da brancura e das tradições europeias, deixando assim de lado toda e qualquer manifestação de cultura negra.
Não à toa, poucos sabem que durante anos o Rio Grande do Sul foi o estado com mais terreiros de religiões de matriz africana do Brasil. É do Rio Grande do Sul que vem Oliveira Silveira, liderança do movimento negro da decada de 1970, doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, que foi fundamental para implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e, saindo um pouco do Rio Grande do Sul e falando de Santa Catarina, temos o ilustre - e pouco conhecido - João da Cruz e Sousa, poeta que escrevia crônicas abolicionistas e contra a monarquia no século XIX.
Não existe Brasil sem África. Não existe Brasil sem pessoas negras. Tudo que vemos, pisamos e tocamos tem sangue e suor de pessoas negras. Muitos tentam esconder suas raízes africanas e, na maioria das vezes, porque ainda bebem de uma lógica racista e eugenista de que o bom é branco e o ruim é negro. Quem sabe se as grandes mídias, ao procurarem conteúdo para ser produzido sobre o Sul, saíssem um pouco da Oktoberfest e fossem atrás de outras expressões culturais para se deparar com um Sul não apenas Europeu, mas também negro e indígena, isso poderia mudar.