Teve todo um mistério sobre como seria a entrega da faixa para o presidente eleito. Eu confesso que a minha expectativa era que Dilma, que eu chamo carinhosamente de Dilmãe, fosse a responsável pela entrega. Isso para mim era muito importante, já que ela foi vítima de um golpe covarde, e sem motivo algum, e não pôde passar a faixa para ninguém. Dilma essa que, ao meu ver, foi a política, ou uma das, mais honesta que pisou em Brasília. Os motivos pelo impeachment da Dilma vão do machismo e misoginia até o medo que muitos no congresso têm de ter uma pessoa honesta no executivo. Por essas e outras que estava muito esperançoso que ela passasse a faixa para Lulindo.
Não foi como eu esperava, mas também foi lindo. Para quem não viu, a faixa foi passando de mão em mão, passou pelas mãos de um menino preto, pela mão de uma mulher, um senhor indígena, um idoso e quem colocou a faixa no Lula foi uma mulher preta. Ela é Aline Souza, uma catadora de materiais recicláveis desde os 14 anos e que tem sete filhos. Aline é diretora da Rede CENTCOOP-DF (Centro das Coperativas de Trabalho de Catadores de Materias Recicláveis do Distrito Federal).
Todas as sete pessoas que participaram desse ritual representam uma base forte do progressismo brasileiro. Cada uma com sua importância, cada uma buscando um espaço, mais do que merecido, nesse governo, e todas e todos pensando em um Brasil mais justo com quem sempre sofreu injustiças.
Vale lembrar que essa passagem histórica só foi possível porque um certo covarde que não aceita derrota, e que fez seus eleitores de trouxas e moeda de barganha, aparentemente fugiu do país com medo das descobertas que irão aparecer após a posse do Lula e a quebra dos diversos sigilos que o ex-presidente instaurou.
Esse fato inédito, a passagem da faixa do jeito que disse acima, foi uma tentativa, no meu olhar acertada, de mostrar que o povo brasileiro está passando a faixa para Luiz Inácio, que o escolheu pela terceira vez de forma democrática.
Na minha concepção, nada melhor do que uma mulher negra fechar todo esse ciclo. Digo isso porque elas são a maior parte da sociedade brasileira. Muita gente não reflete sobre, mas se 54% da população é negra e as mulheres são pouco mais de 51% da população, logo a mulher negra é a interseção que representa a maior parte da nossa sociedade.
Os últimos quatro anos foram extremamente cruéis para todas as minorias, mas eu acredito que a que mais sofreu foi exatamente as mulheres negras. Você sabia que, em 2019, 63% das casas chefiadas por mulheres negras viviam abaixo da linha da pobreza? 2019, tá? Antes da pandemia, antes do orçamento secreto e no início do antigo desgoverno. Se formos puxar esse número hoje, há muitas chances de que esteja ainda pior. Isso se dá por muitos motivos e um deles é que a mulher negra no brasil recebe 46% a menos que um homem branco.
Posso trazer outros dados para, talvez, fazer você compreender o simbolismo. Mais de 60% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Mulheres negras são as que mais sofrem violência obstétrica, a elas é negada anestesia, ou aplicada em doses menores, graças a falácia que existe na área da saúde que pessoas negras são mais resistentes, talvez por isso 63% da mortalidade materna são de mulheres negras. Esses são só alguns pontos que me lembro. Mas em qualquer pesquisa rápida sobre mapa da violência ou sobre PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), vocês também verão quão essa parcela da população é desassistida em vários pontos, e pode cruzar informações e perceber tranquilamente o quão o antigo desgoverno sucateou núcleos do estado que, ainda que minimamente, gerava algum auxílio para tentar mitigar tamanha desigualdade.
Longe de mim querer hierarquizar sofrimento. Cada um tem sua dor e ninguém tem a capacidade de julgar a dor do outro. Até porque ninguém fica feliz em ser a mais sofrida. O que tentei trazer nessa reflexão é como o símbolo da mulher negra é determinante, não só representado a maior parte da população do Brasil e a parcela da população que mais foi vítima dos desmandos do últimos chefe do executivo, mas também sendo elas as responsáveis por apertar 13 e eliminar o mal que nos governou nesses últimos quatro anos.
Espero que esse governo, assim como já o fez, pense bastante nessa parcela da população, pois são elas que mantêm esse país funcionando. Seja trabalhando, seja criando pessoas ou seja votando para melhorar nossas vidas. A frase da Angela Davis, talvez, por tudo que disse, faça mais sentido aqui no Brasil do que no próprio país da autora: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. E essa eleição é mais uma prova disso.