Para quem não acompanhou as notícias dos últimos dias, a atriz Giovanna Ewbank e seu marido Bruno Gagliasso, estavam em um restaurante em Portugal quando uma mulher branca se dirigiu seus filhos, Titi e Bless, e outras pessoas de uma família angolana com falas como “voltem para África” e coisas piores que prefiro nem citar.
Giovanna Ewbank foi para cima da racista e a colocou no seu devido lugar, ofendeu, meteu dedo na cara e, segundo a própria Giovanna, deu uns tapas na mulher, enquanto seu companheiro Bruno Gagliasso chamou a polícia, manteve a calma, mas em momento algum tentou segurar sua esposa, nem podá-la enquanto ela combatia o racismo e a xenofobia da mulher.
Acredito que a maioria percebeu no decorrer do parágrafo anterior que, apesar do título, esse texto não é uma crítica aos pais da Titi e do Bless, muito pelo contrário, ela e ele são exemplo para outras pessoas brancas que querem adotar crianças negras. Digo isso, pois, vejo com frequência, o esforço que eles fazem para entender a questão racial, entendo inclusive que o privilégio branco deles o possibilita de tomar atitudes como aquelas, coisas que nós, pessoas negras, não podemos.
O casal não tenta tomar protagonismo nas questões raciais, ouvem pessoas negras, ajuda compartilhando conteúdo de gente preta, cerca suas crianças de pessoas negras para terem exemplo de pessoas da cor delas de sucesso, etc.
Eu quero, e preciso falar, sobre como as coisas seriam bem diferentes se fosse um casal negro no lugar deles. Poderiam ser Lázaro Ramos e Taís Araújo, as coisas ainda assim, seriam bem diferentes. Mulheres negras, e isso não é só no Brasil, são agredidas com diversos estereótipos racistas.
Um deles é a de barraqueira, logo, possivelmente, ao invés da internet está aplaudindo, se fosse uma mãe preta a mesma internet poderia estar falando coisas como “exagerou e perdeu a razão”. Fora a possibilidade desses comentários pífios, que escondem muito racismo, vamos pensar como uma pessoa preta poderia ter sido levada pela polícia no lugar da racista. Perceber isso é bem simples, e o próprio ocorrido mostra, já que a família angolana, que também foi vítima, não agiu da mesma forma.
Todos os pretos em diáspora sabem o risco que correm ao confrontar pessoas brancas de forma incisiva. Esse receio de enfrentar pessoas brancas é tão nítido que acho legítimo imaginar que a própria racista não cogitou que Titi e Bless tivessem com o casal branco, então isso, talvez, tenha a encorajado a falar os absurdos que falou, pois tinha a certeza que os negros daquele local dificilmente se arriscariam a colocá-la no seu devido lugar.
Tinha convicção que as pessoas negras jamais iriam fazê-la se calar, apequenar e constranger, e não por falta de capacidade, mas sim pelo medo do racismo que estrutura todas as sociedades que usufruíram da escravização africana.
Já cogitaram um homem preto defendendo seu filho da mesma forma? Vocês acreditam mesmo que um cara como eu, por exemplo, com mais de um metro e oitenta e com mais de cem quilos teria chance de defender meu filho daquele jeito sem que antes aparecesse uns brancos dizendo que eu estava exagerando, que não era para aquilo tudo, ou talvez até tentando me render?
Vamos ser bem sinceros e reflexivos nesse ponto. Quando falamos de um homem negro, que é visto como o ser mais periculoso dentro da estrutura racista, combatendo uma mulher branca, que, diferente do homem preto, é vista como frágil e angelical, a chance do cara não ter chance de explicar antes de levar algum tipo de repreensão é muito real. Eu posso dizer com tranquilidade que eu jamais poderia fazer aquilo, porque se eu faço meu filho além de ter sofrido racismo iria ver o pai sendo agredido ou preso.
Precisamos refletir sobre qual revolta é legitimada. Mulher preta na favela por muito, muito menos leva coronhada da polícia. A “gentileza” patriarcal tem cor e tem CEP. Pessoas negras não podem se revoltar. Temos que ficar o tempo todo medindo nossos gestos e engolindo nossas raivas, sobretudo quando estamos em locais majoritariamente brancos. Todos os momentos controlados e atentos para que, não sejamos punidos pela nossa humanidade. A Gio e o Bruno agiram perfeitamente, mas não consigo ignorar o fato que se fosse o meu filho, eu não teria a chance de extravasar o ódio e a raiva em cima da racista.
Só espero que essa experiência não tenha trazido traumas as crianças, porque no fim de tudo, são elas as que foram mais expostas e irão carregar os maiores traumas.