Esse texto não é, nem de longe, uma crítica a pais que podem e colocam seus filhos nos colégios de elite. Sei bem como é querer e poder dar o melhor para aquele ser que mais amamos no mundo. Contudo, algumas coisas devem ser observadas para que esse ambiente não cause danos duradouros às crianças negras. E acreditem: no ambiente escolar, nem sempre o racismo vem apenas de outros alunos.
Sendo bem honesto, eu não acompanhei a triste história de racismo na escola da filha da Samara Felippo. Esse assunto me atravessa como pai e como filho. Eu, além de ter sido uma criança negra e “pobre” dentro de uma escola de brancos e ricos, que sei o que sofri nos anos 1990/2000, sou também um pai que, esse ano, teve que buscar uma escola para filho e rodei por quase dez instituições particulares para perceber que pouca coisa mudou nesses lugares nos últimos 20 anos.
Falando na perspectiva de estudante, posso atestar que, à época, pouco era percebido por mim. Falo dos racismos que me atravessavam. Pouco, mas não nenhum. Percebia que era um único preto da sala, percebia que quando ia na casa de amigos, só os trabalhadores tinham a minha cor, percebia a angústia de minha mãe em me manter arrumado e educado quando ia nessas para casas, percebia que tinha que me impor para não sofrer bullying, já que também era uma criança gorda.
Sabe o que eu não percebia? O tratamento diferenciado que sofria de algumas professoras e coordenadoras. Esse tipo de análise só percebi já mais velho e com mais informações sobre questões raciais.
Eu nunca fui santo e hoje sei que naquela época estava mais preocupado em ser aceito do que em estudar. Contudo eu não era a única criança arisca no ambiente escolar, mas era a que sofria as punições mais duras. Como se comigo eles tivessem que ser mais veemente porque viam em mim um projeto de vagabundo, já os brancos eram só crianças fazendo bobagem.
Lembro de uma passagem que me marcou. Eu estava na antiga sexta série e a professora tinha corrigido os testes com muita má vontade e vários colegas foram falar sobre seus erros. Ela se corrigia, então, sem questionar. Na minha vez, ela insinuou que eu tinha escrito naquele momento e só acreditou quando viu a lágrima de ódio descendo do meu olho. Só de falar nisso, volta toda a raiva.
Nesse processo, tive pouquíssimas professoras negras e negros, mas, dos que me lembro, percebia neles uma condescendência maior com minha animosidade. Sobretudo a professora Marcia, de português, que graças à aula dela me tornei um leitor jovem e o professor Fernandom de matemáticam que me fez entender que exatas não era para mim - e não por ser um mau professor, mas porque percebi que, mesmo com toda a dedicação dele, a matéria não entrava legal na minha mente.
Com toda essa bagagem já citada, vou eu buscar colégio/creche para Akin, meu filho, e nem estava muito exigente. Não por coincidência, escolhi novembro para fazer essas visitas - por causa do Novembro Negro -, e foi só decepção. Até escola bilíngue eu fui, e todas ainda embebidas do ideal eurocêntrico e masculino de ensino. Todas mesmo. Umas piores que as outras, mas todas ruins.
Apenas uma pessoa de todos os sete colégios que visitei falou a palavra indígena durante meus questionamentos, o resto falava era "índio". Os trabalhos sobre cultura negra eram resumidos a capoeira, acarajé e Pelé. Que coisa triste. E detalhe: os preços desses colégios flutuavam, para o período integral, entre 1800 e 3000 reais. A lei 10639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, aplicada do jeito mais fajuto que vocês podem imaginar. Juro!
Por mais que a obrigatoriedade da lei seja para ensino fundamental e médio, a construção da percepção da criança sobre o mundo começa a partir do momento em que ela nasce. Para que, quando mais velha, ela aceite e entenda as coisas de maneira integral, desde cedo deveria está sendo mostrado para ela elementos sobre determinado assunto.
Meu filho, hoje, está em um colégio público que me apresentou um projeto maravilhoso. Que eu (e a minha soberba) jamais imaginei que encontraria em um colégio que não fosse particular. Ele já estava matriculado quando foi sorteado e fui para uma reunião. Mérito total da mãe dele, porque eu era cheio de preconceito.
Nesse colégio, que não irei citar o nome por motivos de segurança, a própria diretora me recebeu. Quando indaguei sobre o Novembro Negro, porque isso foi início de janeiro, ela me disse que lá não existia dia ou mês do negro, que a abordagem racial era contínua e atravessava todos os saberes. Achei lindo e já pude comprovar isso na prática, inclusive na reunião com os pais e mestres.
Ela também me disse uma outra coisa que me fez confiar ainda mais na instituição: “Pai, não vou te dizer que depois dos cinco anos um colégio particular não seja melhor, mas, até o G5, dificilmente encontrará escolas como a nossa”. Ela citou alguns exemplos de por que depois dos cinco anos as escolas particulares têm vantagem, mas é complexo e duro, prefiro não externar.
Fato é que todo pai e mãe quer o melhor para seu filho e, nessa sociedade capitalista, o melhor, por vezes, está anexado ao mais caro. É legítima a vontade de proporcionar isso para sua prole. Contudo devemos ficar atentos. Saber se o colégio tem políticas contra racismo, pressionar a coordenação quando medidas não forem tomadas, ter escuta ativa com a criança porque elas deixam transparecer, em vários momentos, o que têm passado. Ficar vigilante o tempo todo.
Salve engano, o colégio onde ocorreu o caso da filha da atriz Samara Felippo nem expulsou os agressores, os pais que tiraram os alunos de lá. Eu te questiono: se com a filha de uma atriz e um jogador de basquete da NBA as pessoas não têm medo de serem racistas e omissas, imagine com os nossos filhos que, muitas vezes, deixamos mais de um salário de mensalidade, que atrasamos de vez em quando e vivemos fazendo malabarismo para proporcionar um futuro digno aos nossos?
Enquanto as instituições estiverem mais preocupadas com a mensalidade dos filhos de racistas do que em um ambiente aconchegante para TODAS as pessoas, sempre ficará a dúvida se essas escolas são as melhores opções para crianças negras.