Parte das doações do período natalino é motivada apenas por ego

As pessoas amam doar e alimentar sua vaidade, mas temem a justiça social e por isso criticam tanto políticas públicas

27 dez 2024 - 18h05
Imagem de uma pessoa em situação de rua.
Imagem de uma pessoa em situação de rua.
Foto: Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil / Alma Preta

Sempre que chega dezembro aumenta de maneira considerável a procura por ajudar as pessoas em vulnerabilidade social. É comum, ao menos em algumas regiões, observar carros importados parados distribuindo presentes, comida e outras coisas para população de rua. Engraçado que boa parte dessas pessoas são de direita e críticas ferrenhas da esquerda e de movimentos populares que visam extinguir a pobreza em solo nacional. São também essas pessoas que criticam veementemente o padre Júlio Lancellotti que, diferente delas, vive para ajudar a população empobrecida.

Eu decidi escrever sobre isso porque eu vi uma cena que me chocou muito neste Natal. Uma mãe entregando o presente para seu filho, para ele entregar a uma outra criança negra em situação de rua, enquanto o pai fotografava a “boa ação”. Foi uma verdadeira síntese de como se comportam parte da classe média brasileira. Para além da problemática da falsa caridade, esse ponto serve para observar de que forma é criado o imaginário de relações raciais no Brasil. A criança branca dando o presente a criança negra gera nelas que tipo de leitura? Na criança branca subalterniza pessoas com aquele fenótipo, até porque, muito provavelmente, aquela não é a única pessoa negra que tem uma relação de subalternidade com ela. Já na criança negra é construída a falsa impressão do branco salvador. Aquele que abdica do seu tempo e bem para estar lá o ajudando. É das mãos brancas que virá o mínimo para que ele tenha algo, gerando assim uma falsa ideia de que o branco é superior, porém caridoso.

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A raça e a classe, sobretudo em países que se origina na escravização africana, determina com frequência a forma com que brancos e negros, ricos e pobres interagem e de forma se enchergam. É comum observar pobres admirando ricos por acharem que eles fizeram por merecer aquele dinheiro, querendo ser que nem eles e achando que se trabalhar arduamente um dia chegaram naquele patamar financeiro. E como no Brasil, infelizmente, o dinheiro tem cor, essa dicotomia afeta também a questão racial, logo, pessoas negras vão ver em pessoas brancas o significante de sucesso e poder. Até por isso que vemos muitas pessoas negras ao ascenderem socialmente buscar relações com pessoas brancas.

Esse patamar de admiração que a sociedade capitalista e racista atribui a pessoas brancas e ricas é um privilégio enorme que vemos no nosso dia a dia. Privilégios esses que não deixam de existir caso a pessoas branca não seja rica, assim como pessoas negras que chegam a um patamar financeiro estável podem também reproduzir comportamentos que afetam estruturalmente ela mesma e outras pessoas negras. Todo esse processo descrito é o que faz com que pessoas, principalmente brancas e ricas, não tenham o menor interesse em uma igualdade real de oportunidades.

Com isso eu não estou dizendo que não se deva ajudar ao próximo. Tão pouco dizendo que devemos criticar de maneira rasa as pessoas que têm esse tipo de comportamento, até porque, bem ou mal, tem pessoas em extremas dificuldades tendo um dezembro mais feliz graças ao ego de terceiros. Contudo, é necessário explanar que parte das pessoas que doam nas festas de fim de ano, não são bondosas, nem salvadoras, ou querem o fim da miséria. O que elas querem é se sentir bem e útil com base na pobreza alheia. Não existe preocupação real com a pobreza em pessoas que não pensam em distribuição de renda, reforma agrária, políticas públicas e combate ao racismo. Porque são esses comportamentos que farão que as pessoas tenham o que comer o ano todo, quem se preocupa com isso só em dezembro está preocupado apenas na manutenção do seu ego e em uma tentativa de mitigar todos os preconceitos praticados com pobre e preto durante todo o ano.

Fonte: Redação Nós
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