Passar pano para Robinho não é ser antirracista

Lutar por igualdade racial não tem nada a ver com minimizar crimes hediondos cometidos por pessoas negras

15 jun 2023 - 09h09
(atualizado em 26/10/2023 às 17h25)
Áudios obtidos pela justiça italiana mostram o total desprezo de Robinho com a vítima de estupro, crime pelo qual ele já foi condenado e não cumpre pena por estar no Brasil
Áudios obtidos pela justiça italiana mostram o total desprezo de Robinho com a vítima de estupro, crime pelo qual ele já foi condenado e não cumpre pena por estar no Brasil
Foto: Reprodução/Facebook/@robinho

Para quem não está a par desse caso vou resumir: em 2013, o jogador de futebol brasileiro Robinho foi acusado por uma jovem albanesa de 22 anos por estupro. A polícia italiana investigou e concluiu que ele, à época jogador do Milan, e mais cinco amigos levaram a moça embriagada ao camarim e cometeram o crime de estupro coletivo. Quase dez anos após o delito, ele foi condenado em várias instâncias na Itália, mas como não morava mais no país, não foi preso. Em outubro do ano passado o governo italiano pediu a extradição de Robinho, porém Brasil negou o pedido. Contudo, em janeiro de 2023, o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que o jogador, ou melhor, o estuprador condenado pela justiça italiana poderia cumprir pena no Brasil. A justiça italiana já entrou com pedido oficial para que assim seja feito. O Superior Tribunal de Justiça marcou a data para retomar o julgamento de Robinho no Brasil para o dia 2 de agosto desse ano. 

As principais provas que condenaram Robinho foram as mais de dez horas de ligações gravadas que o jogador manteve com os outros criminosos. Divulgados na última quarta-feira, 14, pelo portal UOL, os áudios entre eles são terríveis, inclusive não aconselho quem tem gatilho com esse tema ouvir. Eles demonstram um menosprezo absurdo pela vítima, uma tentativa de responsabilizá-la, tem xenofobia, tem risos de deboche, tem tentativa de moldar discurso e tem também as contradições e mentiras que vão se evaporando com o avançar das conversas. Por exemplo, nas primeiras ligações a conversa é que ele não teria feito nada, que os culpados eram os amigos dele e que não tinham como provar nada. Com o passar do tempo e a evolução das investigações, as informações vão se afunilando até que surgem diálogos que provam a culpa dos meliantes. Em um deles, um dos caras fala para Robinho: “eu vi que você botou o p** na boca dela", ele responde rindo: “isso aí não é transar!”, em outro momento ele admite que houve penetração e ainda questiona o fato da jovem lembrar da situação.

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O resumo sobre o caso se faz necessário para que não haja, como já vi, tentativas de amenizar a situação. A verdade é que todo o caso é um show de misoginia e, diferente do que muitos falam, não é uma característica do futebol, é uma característica das sociedades como um todo. Justamente por ser um problema geral que é preciso refletir se nós só condenamos casos de terceiros ou somos incisivos também quando o amigo faz coisas similares a essa. Não apenas sobre coisas absurdas como nesse caso, mas as agressões diarias oriundas da cultura do estupro feita por nós, homens de todas as raças e classe.

Eu até entendo quem fala que o fato de Robinho ser negro é fator determinante para situações pouco ortodoxas acontecerem, como o fato da possibilidade dele cumprir pena no Brasil, ou quem cita o caso de Cristiano Ronaldo para mostrar um desfecho distinto ou ainda o de Cuca, que só sofreu retaliação popular este ano ao deixar o cargo de treinador do Corinthians, Entretanto, pelo menos ao meu ver, não é o momento para ponderações como essas. Ponderar algumas coisas na atual conjuntura é um desserviço em vários aspectos, um deles é o fato que a maioria das vítimas de estupro no Brasil serem mulheres negras, e isso é uma caracteristica histórica do nosso país.

Dá para refletir sobre as diferenças de tratamento dado a negros e brancos pela justiça sem amenizar ou ponderar crimes, sobretudo hediondos, cometidos por pessoas negras. Até porque ninguém sério diz que pessoas negras são perfeitas, que não erram, que não podem, e devem, ser punidas. A discussão é sobre como o racismo da sociedade mitiga os acessos das pessoas negras à escola, saúde, moradia; de como a sociedade formada com base na escravização africana criou um abismo financeiro entre negros e brancos e como isso reflete na justiça, nos cargos de grande prestígio; de como o estado só entra na favela através da policia, entre outras centenas de ponderações.

A verdade é que, por mim, Robinho já deveria estar preso. Ele ser preto não me faz ter mais empatia, assim como não alimenta em mim a falácia do negro estuprador. Agora, pode ter certeza que se amanhã ou depois acontecer um caso similar com um homem branco e a mídia e a justiça agirem de maneira distinta, eu serei o primeiro a explanar o racismo. Tem grandes chances de acontecer? Eu acredito que sim, porém penso que o momento é para exigir punição, acolher não só a vítima, mas todas as mulheres que se sentem vulneráveis com o caso e esperar para que isso seja uma prova definitiva que a justiça será mais incisiva com crimes de gênero.

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Fonte: Redação Nós
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