Eu só ouvi falar no padre Júlio em 2021, que, durante a pandemia, foi de máscara e marreta quebrar as pedras sob um viaduto que impedia que pessoas em situação de rua se abrigassem no local. Lembro que à época não tinha nenhum religioso nas grandes mídias que me gerava alguma admiração e respeito. Graças a essa intervenção uma lei chamada Padre Júlio Lancellotti foi criada com o intuito de combater a arquitetura hostil que visa deixar ainda mais vulnerável a população que mora na rua.
Com o passar do tempo passei a observar as ações do padre Júlio meio que de longe. Ele levando comida, acolhendo pessoas, agasalhando quem tinha frio e outras centenas de benfeitorias que ele faz. Importante falar também que apesar de só ter ganhado mídia nacional em 2021, o Padre tem uma caminhada de décadas ajudando pessoas vulneráveis. Ele se manifesta contra o racismo, apoia mulheres, defende a população LGBTQIAP+, ou seja, faz tudo que um verdadeiro cristão deveria fazer, mas que hoje em dia é raro de se ver.
É esse cara que já deve ter salvado milhares de vidas ao longo desses anos que a direita quer investigar. Isso mesmo! O vereador Rubinho Nunes, ex-MBLe partido União Brasil, mesmo partido do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, fez uma proposta para investigar ONGS que salvam vidas no centro de São Paulo, especialmente o Padre Júlio. Ele conseguiu pelo menos 23 assinaturas e a CPI só não foi para frente porque após a repercussão, o Thammy Miranda, que já recebeu apoio do padre ao ser vítima de transfobia, e mais três parlamentares recuaram em sua decisão.
Não é a primeira vez que padre Júlio é alvo dessa gentalha, aquele cara do mamãe falhei, por exemplo, já foi condenado por falar asneira do padre, segundo o magistrado “(o condenado) passou a produzir propaganda eleitoral antecipada e vedada em que, seguidamente, calunia, difama e injúria o Padre Júlio Renato Lancellotti, objetivando tornar-se mais conhecido do eleitorado, ao criar polêmica em relação à figura pública do referido padre”.
Se engana quem pensa que a perseguição ao padre tem um viés apenas político. A meu ver, fica nítido que a perseguição ao sacerdote tem muito a ver com a questão racial do Brasil. É sabido que a maioria das pessoas ajudadas pelo padre são negras, e isso causa uma revolta a determinada fatia da população por dois motivos principais: o primeiro por romper com o pacto da branquitude e ser peça fundamental para que o plano eugênico do Brasil seja mitigado, e segundo por mostrar um cristianismo que prega o acolhimento e não o enriquecimento.
Quando se estende a mão para um branco as coisas são bem diferentes. Tá aí um caso bem recente que foi o ex-ator de Malhação que foi visto vendendo bebidas durante o Réveillon e já teve ator gravando com ele, ganhando matérias em portais e etc. Já os atores negros de Cidade de Deus que foram esquecidos não se viu urgência em acolher. Inclusive indico o filme “Cidade de Deus - 10 anos depois”. Poderia citar o caso de “mendigato” entre outros, mas acredito que me fiz entender.
Eu digo que o padre Júlio Lancellotti é o verdadeiro significado de antirracista. Ele é fator determinante para que várias vidas negras sigam firme. Seja na Cracolândia, seja com população de rua, seja como clérigo, o padre Júlio dá aula, inclusive a mim, de como tratar o próximo. Como um ser que faz tanto por outros seres humanos é continuamente ameaçado por salvar vidas? Porque as vidas que ele salva não são vistas como dignas de serem acolhida? São vidas de pessoas que são vítimas de uma sociedade racista e capitalista, sociedade essa liderada por uma burguesia limitada que vê no padre Júlio uma ameaça para perpetuação de seus anseios.