Quanto custa a saúde mental de uma criança negra?

Casos de racismo tem pena branda, tentativa de individualizar o que é estrutural, além de prejudicar o mais vulnerável

4 abr 2025 - 11h17
(atualizado às 11h17)
É como se na sociedade racista, a criança negra tivesse uma pré-disposição a ser mau
É como se na sociedade racista, a criança negra tivesse uma pré-disposição a ser mau
Foto: Pexels

Teve um caso aconteceu em Belo Horizonte no ano de 2023, um garoto de apenas 10 anos foi acusado por uma funcionária da Drogaria Raia de roubo. A criança ficou seminua na frente de pessoas que estavam na farmácia na tentativa de provar a sua inocência. A funcionária que acusou em alto e bom-tom a criança e responde pelas ações na esfera criminal, já a Droga Raia, salve engano, só agora que a Defensoria Pública de Minas Gerais ajuizou uma ação pedindo que a empresa pague 500 mil reais.

O primeiro ponto a ser descrito nessa história é analisar como crianças negras são vistas de maneiras bem diferentes de crianças brancas. É como se na sociedade racista, a criança negra tivesse uma pré-disposição a ser mau. E isso sobrepõe classe, tá? Se você é uma criança negra que estudou em colégio de branco, você vai saber exatamente do que eu estou falando. O branco bolsista não sofria ⅓ da perseguição das crianças negras. Uma criança negra fazia algo de errado e era duramente corrigida e coagida como se, caso não fosse tratada assim, iria dar para algo ruim, enquanto as crianças brancas, ao fazer coisas similares, eram repreendidas, mas como todo um dulçor e cuidado, afinal, é apenas uma criança sendo criança. E correndo o risco de ser mal interpretado, até porque situações como as citadas acima também são muito destrutivas, e eu sou a prova disso, mas quando essa mesma lógica é aplicada nos becos e vielas das periferias do Brasil e quem repreende não é o professor e sim a polícia, essa narrativa ganha tons muitos mais dramáticos e sangrentos.

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A funcionária que acusou a criança de roubo, que foi racista, admitiu seu erro e tá respondendo pela asneira que fez, e longe de mim querer passar pano, mas pode ser que essa funcionária, uma trabalhadora precarizada como todos, fora pressionada a não deixar ninguém roubar, pode ter ouvido que caso alguém roubasse a responsabilidade cairia no colo dela e outras pressões que o trabalhador sofre frequentemente dos chefes para otimizar seus lucros. É necessário falar da funcionária e trazer certas nuances para a gente parar para refletir do porquê a Droga Raia não foi acionada desde o primeiro momento, e caso tenha sido porque só agora esse pedido de indenização? O caso de racismo ocorreu em 2023. Sabe quanto a Raia Drogasil registrou de lucro líquido neste ano? R$ 1,1 bilhão. Observe que eu não falei de faturamento, eu falei de lucro. R$ 500 mil não é NADA para esse conglomerado. A saúde mental, física e emocional de uma criança não vale apenas 500 mil reais, sobretudo quando estamos falando de uma empresa que lucra na casa do bilhão.

Quando falo que não estou passando pano para funcionária, mas pondero algumas questões, é no sentido da tentativa de individualizar o caso, afastar da empresa e fingir que é uma situação pontual. Então ela é rapidamente indiciada, cai tudo no colo dela e a empresa e suas políticas seguem inabaláveis, com seus lucros exorbitantes, provavelmente colocou outra pessoa no lugar da funcionária que acusou a criança, talvez tenham passado as mesmas informações para a pessoa nova na função e vida que segue. Branding intacto, tudo na conta da pessoa física e vida que segue.

No frigir dos ovos é mais uma criança negra traumatizada, que dificilmente entrará em outro estabelecimento sem receio de ser acusado de roubo, que vai ter dificuldade de se socializar, uma família toda abalada que, aparentemente, teve que lidar com tudo isso sem nenhum tipo de ajuda financeira, ou seja, pode ser que essa criança tenha ficado todo esse tempo sem a ajuda necessária porque faltaram recursos para isso. 500 mil não é suficiente para a manutenção do trauma causado. E olhe que esse valor foi apenas solicitado, é capaz de ainda conseguirem diminuir consideravelmente esse valor. Enquanto as empresas não forem responsabilizadas e punidas de maneira exemplar, vai seguir sendo mais barato traumatizar a população negra do que investir em políticas antirracistas e vigilância qualificada.

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais há dez anos e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade.
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