Vou logo começar o texto dizendo que as imagens do roubo sofrido pela mulher, seguido da agressão covarde ao senhor que tentou defendê-la, causaram em mim a mesma revolta que, provavelmente, a maioria sentiu. Qualquer demonstração de violência deliberada deveria causar incômodo a todos, mas nem sempre as pessoas dão o mesmo peso para os crimes e isso tem muito a ver com a cor e o CEP de quem os comete.
Se você ainda não sabe do que estou falando, na noite do último sábado, 2, o empresário Marcelo Rubim Benchimol foi atacado por um grupo de pessoas, levando chutes e socos até desmaiar, em Copacabana, no Rio de Janeiro, ao tentar defender a personal trainer Natália Silva, que tinha acabado de ser assaltada pelo mesmo bando. Depois desses dois episódios criminosos e lamentáveis, moradores do bairro passaram a caçar esses ladrões como verdadeiros "justiceiros".
Se crime é crime, independente de qualquer coisa, por que será que as pessoas reagem de maneiras diferentes? No Brasil, existe um processo legal para julgar e prender quem é suspeito de algum crime e, mesmo passando por todo esse processo, é comum vermos erros da Justiça tanto para favorecer uns, quanto para massacrar outros. Filho de rico atropela ciclista e não fica um minuto preso; homem é pego com detergente e fica preso por muitos anos; menina rouba um milhão de reais de formatura e não é presa; mãe rouba leite e fica meses encarcerada. Além de pessoas pretas serem seguidas em lojas, acusadas injustamente de furtos, presas erroneamente graças a reconhecimentos faciais questionáveis e outras centenas de exemplos que indicam que a Justiça é tendenciosa.
Se até a Justiça que respeita o processo legal erra brutalmente, imagina esses "justiceiros", um bando de desorientados saindo às ruas atrás de “ladrões”. Lembram do caso do Alberto Meireles Santana? O estivador carioca que foi reconhecido por uma vítima em uma foto 3x4 em 2019 foi preso e só foi absolvido em 2022 pelo crime que não cometeu. E o caso de Danilo Felix, também no Rio de Janeiro, que já tinha ficado preso por 55 dias erradamente por uma acusação baseada no reconhecimento facial e, em abril deste ano, foi novamente indiciado após sua foto ir parar de forma misteriosa no banco de imagens da polícia e ser reconhecido como autor de um outro crime que ele também não cometeu.
Sabe o que eu estou querendo dizer com isso? Se nem algumas vítimas e a “inteligência” virtual estão sendo capazes de acertar quem são os autores de determinadas contravenções, não será um bando de arruaceiros de capuz, paus e soco inglês que irá. Quantos jovens negros e perifericos poderão ser vítimas dessas pessoas de maneira “equivocada”?
O que me parece é que algumas dessas pessoas estão sendo incentivadas a fazer isso não para caçar infratores, mas, sim, em uma tentativa de mitigar o direito de ir e vir de determinado estereótipo de pessoas em regiões mais abastadas do Rio de Janeiro. Será que é um exagero supor que após dois ou três espancamentos algumas pessoas terão receio de frequentar determinados espaços? Isso dito, vale ressaltar que mesmo pessoas que tenham cometido algum tipo de delito não devem ser expostas a nenhum tipo de violência, seja por parte de pessoas comuns ou agentes do estado.
Com frequência vemos pessoas suspeitas de delito sendo amarradas em postes. E com pouquíssima frequência vemos as pessoas que cometem o crime de amarrá-las sendo presas. Imagine se toda família fosse cobrar agentes do estado que matam familiares inocentes durante as incursões nas favelas? Imagine se todo preto vítima de racismo prendesse seu algoz em um poste? Será que não iria faltar poste para tanto racista? Por que esses mesmos ditos “justiceiros” não apareceram quando estão colocando fogo em moradores de rua ou quando pessoas trans e travestis estão sendo agredidas em seus pontos? A quem a justiça dessa galera pretende beneficiar?
Tem um outro grupo que nasceu mais ou menos assim e hoje comanda metade das áreas do Rio de Janeiro. Ganha um doce quem adivinhar do que estou falando. Dica: começa com “m” e um ex-presidente do Brasil tem vários indícios de ligação com ela.
Acredito piamente que o crime não é o verdadeiro motivador para o surgimento desse grupo. Se fosse por justiça genuína, ele teria aparecido há muito mais tempo. Talvez esses "justiceiros" viram nessa onda de furtos uma oportunidade para espantar pessoas negras e periféricas dos seus bairros, uma espécie de limpeza étnica. Limpeza essa que, aparentemente, agrada uma boa parcela dos moradores da região. Logo, esse grupo parece ter nascido de uma vontade de uma comunidade e não de pessoas isoladas, como querem que a gente acredite. A verdade é que essa galera só quer gente preta e pobre ao seu lado se for para servi-la.