Questionar escolhas de Lula validou o racismo da esquerda

Pessoas de esquerda usam o nome de Joaquim Barbosa para mitigar a importância de uma pessoa negra no Supremo Tribunal Federal

5 set 2023 - 16h32
(atualizado em 26/10/2023 às 09h17)
Nome do ex-ministro Joaquim Barbosa foi usado para tentar justificar a não indicação de uma pessoa negra ao cargo
Nome do ex-ministro Joaquim Barbosa foi usado para tentar justificar a não indicação de uma pessoa negra ao cargo
Foto: Emília Silberstein / Wikimedia Commons

Muitas personalidades negras, inclusive ministras do atual governo, estão falando sobre como seria de muita importância ter uma mulher negra sendo indicada pelo presidente Lula para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). Inclusive meu texto dessa semana seria sobre isso. Contudo, à medida que esse movimento foi ganhando força, uma esquerda, a qual chamo de "esquerda branca", começou a fazer um certo malabarismo para tentar diminuir a importância deste movimento. Teve sujeito chamando o identitarismo de esquerda mofada e oficialista, outras pessoas falaram que a agenda de representatividade é uma imposição liberal e da classe média e teve até uma pessoa que usou o nome do ex-ministro Joaquim Barbosa para justificar a não indicação de uma pessoa negra ao cargo.

Para quem não sabe, a pauta identitária engloba posições políticas baseadas em grupos sociais que os cidadãos se identificam. Isso dito, o Brasil tem vários fenômenos políticos curiosos, até pelas características particulares que nosso país tem. Um exemplo muito bom disso foi quando Fernando Haddad, hoje ministro do governo Lula, perdeu a eleição em 2018 e na sua foto de agradecimento tinham vários atores da política e nenhuma pessoa negra. O racismo é tão incutido na nossa sociedade que ele permeia TODOS os locais. Ser racista no Brasil não é um “privilégio” da extrema direita.

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E isso não é de hoje! Nos anos 1980, a grandiosa Lélia González, no texto "Racismo por Omissão", já denunciava como o Partido dos Trabalhadores fazia vista grossa para as questões raciais. Como vemos, isso se perpetua e não se resume apenas ao PT. Não por coincidência a esquerda dominante brasileira tem na brancura seus personagens principais, e esses personagens não são apenas políticos. E, nesse ponto, tenho que ser sincero, já que, algumas dessas pessoas, como Gregório Duvivier, foram contra essas falas que criticam pessoas que pedem pessoas negras no STF. Até uma varredura na família dele alguns “aliados” fizeram na tentativa de silenciá-lo. Se com um branco famoso fazem isso quando ele defende uma pauta negra, imagine com outras pessoas negras?

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Voltando ao cerne da questão que quero abordar aqui, as três insinuações que citei no primeiro parágrafo me deixaram bastante chateado. Primeiro ponto é que, não por coincidência, as três foram ditas por pessoas brancas: um homem branco, um homem LGBTQIA+ também branco e uma mulher branca. É importante salientar isso porque ser de uma minoria ou ter ideais socialistas não te faz ser isento de preconceito. Relacionar o identitarismo a uma esquerda mofada e oficialista, ao menos para mim, é totalmente sem sentido. A palavra mofada seria muito melhor empregada na indicação de Cristiano Zanin, hoje ministro do STF, que foi indicado após defender Lula nos processos envolvendo o juiz Sérgio Moro, e é mais um homem branco conservador votando contra indígenas. Quer mais mofado do que isso?

Outro ponto: falar que representatividade é uma imposição liberal e da classe média só pode sair da boca de uma pessoa que viu seus pares de raça ocupando com sobra os espaços de poder, enquanto via pessoas negras em posições subalternizadas. Só sabe o valor de se ver em um local de prestígio quem viveu sem se ver em lugar nenhum, ou melhor, se via na TV como bandido ou como vítima.

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Representatividade não é pauta liberal. Seria pauta liberal se o movimento negro quisesse colocar qualquer pessoa negra lá, até um preto de direita, mas não é isso. Infelizmente, graças a quase 400 anos de escravização, mais o restante de negligência com a população negra, não existem milhões de mulheres negras com predicados para o STF, mas, em dez minutos, com o prestígio que um presidente tem, ele teria mais de cem nomes com capacidade de assumir esse local.

A pessoa que falou do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa vai merecer um parágrafo especial. Primeiro porque acho correto falar que ela apagou o seu post depois de muitos comentários retrucando sua postagem - e eu era um deles. Segundo porque ela dava a entender que Barbosa perseguiu Lula, que o indicou e não foi bem assim. O mais importante é que isso serve para a gente analisar como pessoas brancas excluem toda e qualquer subjetividade da pessoa preta. Vocês perceberam que ela julgou TODA UMA RAÇA com base no que um indivíduo fez? Na cabeça dessa gente preto é tudo igual, não importa se é gari, gerente ou ministro do STF. Se um fez, todos vão fazer. São falas como essa que fomentam ditados como “preto é tudo igual, se não faz m**** na entrada, faz na saída”, entre outras concepções mais. Terceiro motivo para esse parágrafo ter sido separado é o fato de terem muitos tweets falando coisas nesse sentido, a pessoa citada acima foi apenas um exemplo de vários e, sem dúvida, o que mais incomoda.

Eu escrevo tudo isso de um local que eu considero muito sóbrio. Eu não romantizo as coisas, nem acho que Lula seria eleito se abraçasse todas as minorias e construísse um discurso com base em pautas identitárias. Tenho total consciência que política no Brasil se faz com conchavos e trocas e nem abri muito a boca para falar mal do Zanin. O que me pegou foi essa galera que não falou absolutamente nada para criticar os votos no primeiro indicado do Lula, mas, no menor movimento na busca de uma pessoa negra no STF, soltam os cachorros tal qual bolsonaristas ao se depararem com a pauta do aborto.

É triste observar que quando o assunto é racismo até quem é de esquerda, muitas vezes, é de direita. Contudo, é bem mais triste pensar que pode ter um grupo que só pensa em pessoas negras para votar e ser ajudada, e não para serem votadas e ajudar. Parece que para alguns o local de subserviência será sempre o mais adequado para nós.

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Fonte: Redação Nós
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