A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga nesta quarta-feira, 20, o pedido da Justiça italiana para que Robinho, ex-jogador do Santos e da seleção brasileira, cumpra pena de estupro coletivo aqui no Brasil. O crime ocorreu na Itália, em 2013, e agora, 11 anos depois, será julgada a possibilidade da condenação ser transferida para o Brasil, já que nosso país não extradita seus cidadãos natos.
Em manobra que aparenta um certo desespero, Robinho deu entrevista essa semana para Rede Record falando sobre o caso. O jogador parece ter sido aconselhado a colocar a versão dele dos fatos na semana do julgamento. Isso talvez não seja coincidência. O ex-jogador pretende puxar a opinião popular para o lado dele após seus áudios grotescos serem divulgados, através do podcast Os Grampos de Robinho.
Eu sou o primeiro a defender gente preta aqui. Inclusive, já escrevi sobre como homens negros, ao longo da história, foram condenados por falsas acusações de mulheres brancas e etc. Por outro lado, eu também já escrevi sobre interseccionalidadee, já falei sobre como o capital interfere diretamente nas leituras da justiça sobre o indivíduo, assim como também tenho total consciência de que homens negros podem, e são, extremamente nocivos às mulher, independente da cor. Aqui mesmo na coluna já falei sobre outros casos nesse sentido.
Robinho, que é bolsonarista - e isso é importante ser dito porque sabemos quais ideais cercam o bolsonarismo -, tem até foto disfarçado na frente de quartel. Ele resolveu usar a carta do racismo para tentar descredibilizar a Justiça italiana. Ele falou sobre outros jogadores negros que cansaram de sofrer racismo na Itália e, segundo ele, essa mesma justiça que o condenou não fez nada.
Eu entendo que uma boa mentira sempre tem elementos verdadeiros. Não sei se todos concordam com isso, mas me parece que a fala de Robinho tem um pouco desse elemento. E, podendo parecer um pouco soberbo, acredito que a fala não tenha sido por acaso. Talvez a intenção dele fosse que pessoas como eu escrevessem dizendo que ele tem razão e mudasse a perspectiva do tema dentro de um grupo do qual ele, nem de longe, faz parte.
Faz sentido ele dizer que a Justiça italiana é racista? Faz! É verdade a omissão dessa mesma Justiça com casos de racismo. É bem provável que os mesmos que o condenaram nunca ligaram para as acusações de racismo. Ele tem 100% razão nisso. Mas sabe o que isso muda na prática real? NADA. O brasileiro entra em contradição várias vezes durante os dias em que foi grampeado, faz piada sobre o caso, ri de coisas indescritíveis. É um show de horror.
Usar a carta do racismo, que é uma questão que, talvez, ele ache que é 'mimimi', é um sinal de desrespeito com a causa e de conveniência extrema. Quantas vezes vimos Robinho levantar a bandeira do antirracismo antes disso?
Isso, para mim, é muito perigoso, em vários níveis diferentes. Que exemplo esse caso passa para a geração mais jovem que o acompanha? O recado passado me parece ser “vocês podem cometer crimes e depois falar que foi racismo porque aí tudo será mitigado”. Isso é um tiro no pé da causa que, com frequência, já é desacreditada, sobretudo no meio do futebol.
Durante a entrevista, ele tenta falar também sobre xenofobia, fala sobre perdão, que hoje é cristão e não tem o mesmo linguajar da época, questiona várias vezes a vítima, se coloca no local de vítima de uma suposta extorsão, que muitas das suas falas foram sobre pressão de pessoas que se aproximam de jogador por interesse. Resumindo: foi o típico discurso de quem quer mudar a opinião pública. Apesar da apresentadora Carolina Ferraz questioná-lo de maneira direta por vários momentos, os cortes e a forma de algumas colocações me pareceram orquestrados, mas pode ser só impressão, claro.
O fato de ser negro, pai de família, cristão e qualquer outra coisa não impede homem nenhum de ser um estuprador. Usar a carta do racismo nessa situação só mostra o pouco respeito que Robinho tem pela causa.
Por fim, espero que o STJ coloque Robinho para passar seus nove anos atrás das grandes porque, nessa altura do campeonato, não só vai mostrar que estupro é inadmissível em qualquer lugar do mundo, como irá mostrar também que usar pautas sérias para tentar se livrar de um crime hediondo repleto de provas não é caminho para se livrar da justiça.