Para quem não acompanhou as notícias dos últimos dias, o ministro Fernando Haddad propôs um novo pacote de contenção de gastos que, entre várias outras coisas, pretende isentar do imposto de renda quem ganha até cinco mil reais e, para compensar, aumentar um pouco a tributação de quem ganha mais de 50 mil. Isso foi o suficiente para o mercado se manifestar, fazendo o dólar aumentar, quem ganha menos de cinco mil aplaudir o governo e fez também as redes sociais discutirem se quem ganha 50 mil deve ser considerado um indivíduo rico.
Poucas pessoas conhecem alguém que recebe 50 mil reais por mês. É um valor muito alto que foge da realidade da maioria. Para vocês terem uma ideia do abismo, 90% da população brasileira vive com menos de 3.500 reais por mês, 1% da população brasileira ganha mais de 28.000 reais, ou seja, quem ganha 50 mil é a exceção da exceção. Fora que o crescimento da renda desse 1% foi maior do que a média nacional.
Na realidade do dia a dia, falar que quem ganha 50 mil não é rico beira a sandice. Até porque eles se comportam como ricos e olham o grosso da população de cima para baixo. Geralmente são esses também que convivem diariamente com o trabalhador menos abastado e o tratam com desdém e falta de educação. Boas escolas, casas grandes, carros do ano, viagens familiares e outras centenas de benefícios que o dinheiro dá e que o povo brasileiro dificilmente terá.
Quando partimos para o lado mais academicista da discussão, podemos observar por outra episteme. Qual é o conceito de rico? Assalariado pode ser considerado rico? Para muitos intelectuais, rico é o indivíduo que vive a vida de quem ganha 50 mil por mês de salário (e até melhor), mas não trabalha. Por exemplo, os herdeiros. Outro ponto é, se quem ganha 50 mil por mês é rico, quem paga o salário dele é o quê? Já parou para pensar quanto deve ter de dinheiro quem paga o salário de Neymar? Então, nessa lógica, ricos são os grandes empresários multimilionários, bilionários que lucram em cima do trabalho de quem ganha um salário mínimo e também de quem ganha 50 mil.
Pense nesses donos de banco que pagam 6 dígitos para os grandes executivos, quanto eles não lucram. Agora pense que ele e você pagam o mesmo imposto no café comprado no mercado. Esses caras vão acumular durante anos e anos dezenas de bilhões de reais e, quando morrerem, deixarão seus filhos bilionários. Sabia que a alíquota do imposto sobre herança aqui no Brasil chega no máximo a 8%? Em São Paulo, é uma taxação única de míseros 4%. Sabe quanto a taxação de grandes fortunas pode chegar nos Estados Unidos? 40%.
Grande parte das grandes fortunas do Brasil vem desde a época do Brasil Colonial, onde pessoas negras eram escravizadas e proibidas de terem terras, frequentarem escolas e mais outros vários impedimentos. Ou seja, nenhuma pessoa negra no Brasil pôde sequer entrar na corrida do acúmulo de bens. Será que não seria justo começar a repartir esse dinheiro que teve origem com sangue e suor negro e indígena?
Então, penso que o grande problema não é quem ganha 50 mil e sim quem paga esses 50 mil. Também acho que não dá para falar de justiça sem falar em taxar grandes fortunas. Por outro lado, entendo totalmente quem acha que quem ganha 50 mil seja rico. Tem uma galera que não tem saneamento básico, tem gente morrendo em deslizamento de encosta, ficando 4 horas no transporte do trabalho para ouvir asneiras dessa galera que ganha 50 mil e anda de nariz em pé. Tem a ideia acadêmica que é muito boa e mostra com estudos quais são os maiores problemas de concentração de renda do país, mas tem também o sentimento genuíno da maioria da população que, no dia a dia, é tratada feito nada por uma galera que é rica na hora de interagir com pobre, e se faz de humilde na hora de ser taxada como o rico que pensa ser.