O debate de ontem na Band foi terrível para a população negra. Não se via candidatos negros, não foi visto nenhum mediador negro e, salve engano, apenas uma das perguntas foi feita por uma pessoa negra. Além disso, temas como classe e gênero foram bastante discutidos, enquanto a questão que condena a maioria da população à pobreza e ao feminicídio foi totalmente ignorada. Em dado momento, enquanto se enrolava com seu machismo, Bolsonaro falou a frase: “somos todos iguais”. Essa falácia assim, como outras descritas abaixo, são fundamentais para o analfabetismo racial que vivemos.
O PARAÍSO DA DEMOCRACIA RACIAL
É um mito que nasce no final do segundo Império e início da República. Como o Brasil não segregou os indivíduos de raças distintas da mesma forma que fez os EUA ou a África do Sul, criaram esse termo a fim de negar as diferenças raciais. Ele é muito prejudicial na luta contra o racismo.
Como resolveremos um problema que, segundo essa tese, não existe? Então quando crescemos acreditando nesse conceito, estamos induzindo no nosso subconsciente que o racismo não existe, e se ele não existe, não tem o que ser rechaçado. Apesar disso, seguimos sabendo onde encontrar pretos e brancos em nossa sociedade. Sabemos que cor tem os garis, assim como sabemos qual a cor das médicas. Sabemos qual a cor do Alphaville, assim como sabemos a cor da periferia.
MISCIGENAÇÃO BRASILEIRA É LINDA
Sempre ensinado que a miscigenação no Brasil foi algo consentido e amistoso, mas não foi bem assim. Mulheres a bordo de embarcação portuguesa era estritamente proibida e fortemente punida, logo, indígenas e negras eram constantemente estupradas pelos brancos, nascendo assim miscigenação no Brasil. Outro fator que desmente essa narrativa é a eugenia.
A tese do branqueamento baseia-se em uma superioridade branca. Acreditava-se que para o Brasil prosperar a população deveria embranquecer. Miscigenação foi a forma com que as elites políticas e intelectuais da época encontraram para clarear os habitantes. A política de imigração europeia tinha como finalidade o branqueamento populacional, pois se acreditava que pessoas em geral procuravam por parceiros mais claros do que elas para embranquecer o ventre.
SOMOS TODOS HUMANOS
Esse tipo, que foi a ideia que o atual presidente da república quis passar, é outro problema sério no combate ao racismo. Ela dá a entender que não existe diferença de tratamento entre brancos e negros. Por isso, separei alguns dados envolvendo gênero, classe e raça para o debate. Segundo o relatório da Oxfam, o branco pobre tem rendimento maior em 46% do que o de negro pobre. Pesquisa do IBGE afirma que o salário do homem branco é 55,6% maior do que o da mulher negra.
O PNAD, com base na pesquisa do IBGE diz que a mulher branca tem um rendimento médio 35% maior do que o do homem negro. Dados do Ministério da Saúde afirmam que o risco de uma mulher negra morrer por aborto é 2,5 vezes maior do que o de uma mulher branca. De acordo com o Atlas da Violência, 66% de todas as mulheres assassinadas no país são negras. Existem muitas outras diferenças que nem precisam de estatísticas, a vemos nitidamente no nosso dia a dia.
A LEI É IGUAL PARA TODOS
Afirmar isso é negar o racismo institucional. O racismo institucional naturaliza as hierarquizações raciais no âmbito das Instituições e que, nesse caso, são reproduzidas cotidianamente por agentes públicos, sejam eles policiais, promotores ou juízes. As leis em países racistas produzem consequências desiguais para membros de diferentes categorias raciais.
Ou seja, a mão do estado pesa mais quando o possível contraventor é negro. Isso porque apesar de a lei não ser racista, quem as aplica, faz parte de um racismo estrutural e ela, e nem ninguém, consegue ser inerente a essa estrutura; por isso acabam, mesmo que inconscientemente, utilizando seu crivo pessoal na hora de aplicar a lei. Só para finalizar esse tópico, a primeira lei de educação do Brasil, de 1837, proibia pessoas negras de frequentarem o colégio.
AMOR NÃO TEM COR
Se o racismo é institucional, estrutural e histórico, porque ele não se manifesta nas emoções e nas afetividades? Se os traços negroides são motivos para insulto, se o cabelo crespo é alvo de piada, se a cor preta marginaliza o indivíduo perante a sociedade, porque na hora de pensar no negro como par amoroso isso mudaria?
Gosto é uma construção social que se sobrepõe e estrutura escolhas individuais. Logo, a sociedade racista condiciona e educa os indivíduos para ver o branco como padrão estético, como símbolo de ascensão e representação de poder. Isso não quer dizer que não exista amor entre casais inter-raciais ou que pessoas negras não possam ser amadas. O que estou falando é que quando dizem que o amor não tem cor, estão mitigando a questão racial e como ela condena pessoas negras, sobretudo mulher, a solidão.